TAIZÉ

Budapeste

A hospitalidade, um rosto de Deus

 
Abrir as suas portas a desconhecidos nunca é uma coisa fácil. Graças a meses de trabalho, centenas e centenas de reuniões de preparação, foi possível preparar um acolhimento não só em Budapeste, mas também em numerosas localidades dos arredores.

No dia 28 de Dezembro de manhã, milhares de famílias húngaras estavam impacientes por conhecerem os jovens que iam acolher durante cinco dias. «Irão conseguir chegar? Ficarão retidos pelas tempestades de neve que caem sobre a Europa central? As formalidades nas fronteiras atrasarão muito a sua chegada? Como ultrapassar a barreira das línguas?» A estes medos acrescentava-se um contexto internacional nada tranquilizador.

Graças a meses de trabalho, centenas e centenas de reuniões de preparação, foi possível preparar um acolhimento em cento e oitenta paróquias, de todas as confissões. Algumas eram a uma hora de Budapeste, junto da fronteira eslovaca. Foram disponibilizadas muitas escolas. E, graças a pedidos feitos através da rádio e da televisão húngara, também se encontraram milhares de lugares em famílias que não frequentam habitualmente as igrejas.

De toda a Europa, três mil jovens chegados logo a 26 de Dezembro repartiram entre si o trabalho de acolhimento do dia 28. Uma reportagem de uma televisão francesa pôs em relevo o sentido de serviço, espantosamente vivo nestes jovens. Foi muito graças a eles que foi possível acolher e rezar com os 70.000 participantes no encontro.

Enquanto a maioria dos jovens de outros povos foi primeiro recebida em escolas da cidade, os polacos chegaram ao Parque das Exposições antes de serem orientados para as paróquias de acolhimento. Foram os mais numerosos. Muita gente pergunta que explicação há para a presença destes milhares de jovens polacos ano após ano. Obviamente que não se trata de algo superficial: durante todo o Outono, duzentos pontos de preparação na Polónia serviram não só para difundir as informações necessárias ao encontro e à viagem, mas também para organizar orações em comum e tempos de reflexão. «Em Wroclaw, em Dezembro, antes da minha partida para Budapeste, havia todos os dias uma oração com os cânticos de Taizé numa igreja da cidade» dirá Alicia, estudante de ciências políticas.

Mas havia também 4.000 romenos e outros tantos italianos. Os ucranianos, germanófonos, croatas e franceses vinham logo a seguir. Nunca tinham sido tantos a vir dos Balcãs, que aumentaram assim consideravelmente a presença tão apreciada dos ortodoxos. Para chegar a Budapeste, alguns dos 300 portugueses partiram no dia de Natal.

Dúvidas e surpresas

As relações muitas vezes tensas entre a Roménia e a Hungria deixavam surgir uma dúvida sobre o acolhimento aos romenos. Dúvida que se sentia dos dois lados da fronteira. Seria finalmente uma das mais alegres surpresas desta «peregrinação de confiança». Para os romenos: «Não pensávamos ser acolhidos assim na Hungria.» Para os húngaros: «Não sabíamos que nos poderíamos ligar desta forma a romenos.» Uma das famílias de acolhimento já tinha feito essa experiência em 1991, aquando do primeiro encontro de Budapeste. Na altura, tinham escrito na sua ficha de acolhimento: «Acolheremos quatro pessoas, mas não queremos romenos, por favor.» Apresentaram-se à sua porta quatro romenos. Para dizer o que foram esses dias vividos em conjunto, basta olhar a sua ficha de acolhimento deste ano: «Quatro pessoas. Romenos, por favor.»

Uma jovem arquitecta húngara escreve: «Tinha previsto acolher quatro pessoas no meu apartamento. Acabei por acolher seis, e mais quatro para a refeição do dia 1 de Janeiro. A confiança que lhes demonstrei foi-me paga cem vezes. É espantoso como, no fim, tudo fica no lugar. Muitos outros farão a mesma apreciação. Não vivia desesperada antes disto, mas estes dias passados em conjunto certamente que reforçaram em mim uma esperança e talvez uma capacidade de olhar o futuro com confiança. E sei que isto se deve à bondade e simplicidade que encontrei.»

Há numerosos testemunhos que vão no mesmo sentido e fazem eco do que os primeiros cristãos já sabiam: oferecer hospitalidade é, como para os discípulos de Emaús, descobrir a face de Deus. A palavra «milagre» está em muitas bocas. «Somos compreendidos sem falar a mesma língua.» Com humor, um jovem de Budapeste diz: «Em Babel, Deus baralhou as línguas porque os homens trabalhavam contra ele, em Budapeste, era o nosso desejo comum de viver o Evangelho que nos reunia e compreendíamo-nos.»

«No princípio, o caos...»

O mais antigo semanário católico da Hungria publicou este testemunho de um adulto de uma paróquia que acolheu 700 jovens: «No princípio estava tudo um pouco caótico. No dia 28 de Dezembro chegaram quase todos ao mesmo tempo. Foi preciso tempo para os acolher e era um pouco difícil. A nossa pequena igreja e a nossa casa paroquial pareciam uma sala de espera de uma estação de caminho de ferro num filme de guerra! Os responsáveis trabalharam bem e os nossos hóspedes mereciam um prémio pela sua paciência e compreensão. Milhares de pessoas na nossa capital descobriram que oferecer o seu tempo, deixar provisoriamente a paz e a calma do seu lar, não é só um acto bondade, é também fazer a experiência de como é bom fazer isso. Em cada paróquia, houve famílias que, durante alguns dias, abriram a sua casa a estrangeiros e compreenderam que somos ricos. Estamos ligados uns aos outros, mais do que aquilo que pensamos. No dia 1 de Janeiro, a nossa igreja estava tão cheia que os padres tiveram dificuldade em chegar ao altar. Estes dias transmitiam uma mensagem importante: a fé cristã é universal: húngaros, romenos, italianos, japoneses, lituanianos, franceses, somos membros de uma mesma família. Descobrimos como cada um tem tesouros únicos, mas também que esses tesouros podem ser partilhados. E que o acto de os partilhar não os compromete mas antes os aumenta. Ficam então ainda mais preciosos e mais nossos.»

Mensagem de Kofi Annan

Descoberta que se liga bem à mensagem que o Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, enviou aos participantes: «No momento em que alguns procuram dividir a família humana, é reconfortante saber que sois tão numerosos - de origens, nacionalidades, culturas diferentes - unidos no mesmo desejo de encontro e de partilha.»

Ucranianos unidos

Os 3.000 ucranianos fizeram esta experiência durante o encontro e, de maneira ainda mais espantosa, na viagem de regresso: «Fiquei espantada, escreve uma responsável, ao ver como os ucranianos estavam unidos em Budapeste. As barreiras que normalmente nos separam, tinham caído. Vínhamos de Igrejas diferentes e de regiões diferentes, mas compreendemo-nos e sentíamo-nos unidos. No caminho de volta, nos Cárpatos, fizemos essa experiência quando uma tempestade de neve nos bloqueou. Grupos de todas as regiões e de todas as confissões juntaram-se para se ajudarem uns aos outros. Conscientes dos nossos graves problemas de divisões, estamos reconhecidos pelo dom que nos foi dado em Budapeste.»

Orações comunitárias e workshops

Para que tivessem mais facilidade em se deslocar em Budapeste, os jovens receberam um mapa no qual figuravam os nomes das paróquias e dos principais locais de encontros. Eléctricos, estações de combóio e metropolitanos estavam a abarrotar. A alegria dos jovens interpelava os que por eles passavam.

Para a oração comunitária, que reunia essa enorme multidão ao meio dia e à noite, foram adaptados dois pavilhões do Parque das Exposições. Não foram suficientemente grandes. O Pavilhão A foi sem dúvida o maior pavilhão jamais utilizado num encontro europeu de Taizé. A decoração era sóbria. Tecidos cor de laranja, alguns ícones, um Cristo inspirado na coroa de Santo Estêvão, primeiro rei cristão da Hungria, tão importante na memória do povo húngaro. Os ícones de São João Baptista e de Nossa Senhora, duas testemunhas da Encarnação, exprimiam a esperança que estava no coração do encontro de Budapeste.

Na primeira noite, mortos de cansaço, foram poucos os que cantaram. Já foi muito diferente no dia 29, aquando da oração difundida pela televisão nacional. Nos dias 30 e 31 todos cantavam, mesmo em sueco e em polaco. «Há tanta beleza nesta oração» escreve o Padre Peter Varnai, capelão dos jovens na diocese de Budapeste, «que é impossível imaginar um futuro sombrio.»

Uma breve meditação do Irmão Roger foi traduzida todas as noites numa vintena de línguas. Ela completava a carta «Ama e di-lo com tua vida», sobre a qual os jovens puderam trocar ideias durante a manhã. Desta carta retiram-se os títulos das introduções bíblicas, que se seguiram às orações do meio dia: «Abrir caminhos de confiança», «Atreve-te a dar a tua vida», «O desejo de Deus devolve a nossa alma à vida.»

A oração à volta do ícone da cruz, que concluía a oração da noite, é sempre um momento comovedor. Vários responsáveis de Igrejas, católicos, reformados, luteranos, ortodoxos rezaram em conjunto com os irmãos; depois, até ao fechar das portas, os jovens dirigiam-se à cruz.

Como transmitir hoje a esperança do Evangelho?

Depois da oração da noite, no centro de imprensa, a questão foi posta ao arcebispo de Eger, presidente da conferência episcopal húngara. E a sinceridade da sua resposta espanta: «Conheceis, vós, a resposta a essa pergunta? Eu não a conheço. Mas neste momento o meu único objectivo, no tempo que ainda me resta de vida, é tentar responder a ela.» O cardeal Paskai, arcebispo de Budapeste, e outros bispos vieram também todas as noites trocar impressões com os jornalistas. Uma apreciação muito bela sobre os jovens e o encontro é a de D. Balas, (ver o encaixe) e a do bispo luterano Béla Harmati: «Se os jovens têm tanta fome espiritual, então há um futuro para a Europa».

Houve momentos de partilha nos dias 29 e 30 de Dezembro, e o último dia esteve reservado aos encontros por países, com o tema: como continuar, onde vivemos, depois deste encontro? Houve vários encontros que se realizaram no Parque das Exposições, mas outros foram acolhidos em locais ricos de simbolismo e que exprimiam o acolhimento generoso da Hungria e a atenção que foi dada ao encontro pelos responsáveis nacionais (o Presidente da República participou numa das orações). Assim, o encontro sobre a Europa realizou-se no Parlamento e foi animado pelo Presidente do Supremo Tribunal. E foi precisamente no Supremo Tribunal que se realizou outro encontro.

Um cristianismo criador

Perto do Pavilhão A, jovens franceses escutaram um jovem a ler a lista de temas, a fim de que cada um pudesse escolher o encontro a que queria ir da parte da tarde: «Procurar Deus na oração»; «O Espírito Santo: sopro de vida, testemunha da verdade, consolador.»; «A construção da família europeia: a Europa vista de Budapeste, Moscovo,...»; «Como reagir face ao sofrimento?»; «A violência atinge os jovens: o que podemos fazer?»; «Uma comunhão universal em Cristo: descobrir todas as dimensões da Igreja.»; «Será possível o perdão?»; «O chamamento de Deus incita-nos ao dom de nós mesmos.»; «Viver a simplicidade das Bem Aventuranças.»; «Tornar a cidade num local habitável para todos: testemunhos e experiências.»; «O que posso fazer por uma economia solidária?»; «Budapeste, ponte entre o Oriente e o Ocidente: à descoberta de um local de memória da Hungria»; «Concerto de cânticos litúrgicos ortodoxos, com um coro de jovens de Novi Sad». Houve também um espaço de silêncio e oração individual.

O que é que todos estes temas têm em comum? Talvez isto: o chamamento a pôr em acção um cristianismo criador e o desejo de preparar os jovens a não fugir aos desafios da sociedade, mas a acorrer e estar presentes. Como para estes jovens da Transilvânia que, com um padre, tomaram a seu cargo 300 crianças da rua e que dão testemunho que «alguns, com muito pouco, podem muito.»

O olhar de um bispo húngaro

Personalidade de relevo do episcopado húngaro, muito apreciado pelos jovens, conhecido pela sua franqueza que lhe valeu perseguições durante o tempo do comunismo (só foi bispo depois da queda do muro de Berlim), Monsenhor Balas Béla, bispo de Kavospar, é Presidente da Comissão para a Pastoral Juvenil da Conferência episcopal da Hungria:

«É preciso estar sempre a encorajar os jovens. Vieram cem jovens da minha diocese de Kaposvar. Preparei-os pessoalmente, não só para uma forte experiência espiritual mas também para eventuais dificuldades. Numa multidão daquelas, muitas coisas podem acontecer. Gostaria que tivessem bom humor e realismo no seu comportamento face ao homem e à sociedade, que nunca são perfeitos. O erro bolchevista foi não ter reconhecido isso, é o desconhecimento do pecado original. É preciso saber viver com as dificuldades e as preocupações.

Nascemos divididos filosoficamente no fim da Idade Média, divididos religiosamente no séc. XVI, depois vieram as divisões políticas, militares e étnicas. A causa desta divisão é por um lado os múltiplos pontos de vista intelectuais, mas penso que se deve essencialmente ao arrefecimento do coração. É isso que Taizé cura. Os encontros de Taizé são um remédio para os males de que o mundo sofre.

Não há debates intelectuais, mas em Taizé os jovens estão em contacto com o mundo da beleza, da música, do silêncio e da oração, da amizade, e é isso que reconcilia o mundo.»

Última actualização: 17 de Fevereiro de 2005