TAIZÉ

O clube das mãos que vêem e que falam

 

Neste sábado de manhã, a Rua São Lázaro está animada em frente à porta da Comunidade dos irmãos de Taizé. Estão lá quase todos: o senhor Mário e a sua viola, Vital e a filha mais nova, Noélia e os filhos, Fagner, Ana Lúcia,... Surdos, cegos, ouvintes e pessoas capazes de ver, adultos ou jovens, todos se encontram uma vez mais para prepararem o calendário das suas actividades. Todos participam e constituem o «Clube das Mãos que falam e que vêem». O nome pode parecer comprido, mas todos o sabem e gostam de repeti-lo. Mãos que falam: a linguagem gestual dos surdos; mãos que vêem: o braille dos cegos. O objectivo é muito simples: permitir aos surdos e aos cegos de Alagoinhas viverem plenamente, acompanharem as famílias, defenderem os seus direitos, reforçar os laços entre todos, surdos e ouvintes, cegos e pessoas com visão.

Este clube nasceu em 1995 com uma dezena de jovens que decidiu aprender a linguagem gestual. Vivia no bairro um grande número de surdos, sem que nada fosse organizado para os ajudar. Alagoinhas, uma pequena cidade do Estado da Bahia, a cerca de 150 Km de Salvador, é uma dessas cidades de passagem, atravessada desde há muitos anos pelos camponeses do Nordeste que fogem à pobreza e esperam encontrar mais prosperidade nas metrópoles do sul. A Rua São Lázaro acolhe há já mais de 25 anos uma pequena comunidade de Taizé, num dos bairros mais pobres da cidade. Em 1994, os irmãos aperceberam-se de que habitavam o bairro mais de 25 jovens surdos, que eram cada vez mais marginalizados. Ninguém na cidade conhecia a linguagem gestual. Um professor de Salvador permitiu que alguns jovens descobrissem os rudimentos dessa linguagem. Após os primeiros cursos, estes jovens decidiram continuar a sua formação. Assim, foi criado o Clube das mãos que falam, que acolhia surdos e ouvintes. Foram então abertas as primeiras aulas para surdos. As actividades sucederam-se depois: copoeira, teatro, dança, cursos de linguagem gestual permitiram aos surdos acederem às mesmas actividades sociais e culturais que os ouvintes.

As aulas para jovens surdos foram rapidamente integradas na escola do bairro, que acolhia crianças pobres. Em 2001, abriu-se uma turma para cegos. As turmas para surdos e para cegos cresceram rapidamente. Hoje, além das 150 crianças do bairro, a escola acolhe 80 alunos surdos entre os 2 e os 30 anos, 30 alunos cegos entre os 5 e os 75 anos, e 4 alunos cegos e surdos. A mistura entre todos os alunos dá à escola um carácter surpreendente, a par da riqueza das trocas e da paz que por vezes transparece entre crianças habituadas a viverem situações muitas vezes de extrema violência.

A chegada dos cegos permitiu que o clube crescesse e se reforçasse. Reúne actualmente mais de 25 pessoas que se juntam todas as semanas. As suas acções são visíveis no quotidiano: cursos de braille e de linguagem gestual, detecção de deficiências sensoriais, procura de emprego para surdos e cegos nas empresas da cidade, tradução em linguagem gestual...

Outros acontecimentos mais mediáticos permitem reforçar a dinâmica do clube e mostrar a sua acção concreta. O ’’Bahia Tandem Tour`` é certamente o mais emblemático destes acontecimentos. A ideia é simples: permitir aos surdos e aos cegos fazerem uma viagem de Alagoinhas até Salvador numa bicicleta de dois lugares ("tandem"). Na Europa existem muitas iniciativas deste género para os cegos, que fazem assim grandes viagens em várias bicicletas deste tipo: uma pessoa capaz de ver vai à frente, o cego atrás. A originalidade aqui é que a pessoa que vê é surda. É difícil de imaginar como se estabelece a comunicação entre eles, mas a coisa funcionuou perfeitamente. Em Setembro de 2004, 6 bicicletas de dois lugares foram até Salvador, parando todos os dias numa cidade e mostrando assim que as pessoas com deficiência têm o seu lugar na sociedade actual e que desempenham nela um papel vital.

O clube é cada vez mais solicitado por instituições de cidades vizinhas e de todo o Estado da Bahia para levarem o seu apoio no trabalho com cegos e com surdos. Actualmente, a escola ECAI (Escola Comunitária de Atendimento Integral) é a única experiência deste género num Estado como a Bahia, tão grande como a França.

Edwige, Outubro de 2004

Last updated: 16 November 2004