Hoje celebramos a Ascensão. Deus acolhe Jesus junto de si. Parece ser um final feliz. No entanto, os discípulos sentem-se abandonados por Cristo. Eles estão desapontados. As expectativas que tinham colocado em Jesus não foram cumpridas. Mas gradualmente compreendem que embora não voltem a ver Jesus, ele está verdadeiramente presente no meio deles. Abre-se um novo horizonte. Através da ressurreição de Jesus, Deus está ao lado dos humilhados. O amor de Deus é mais forte do que o ódio, a violência e a guerra. Os pobres da terra podem erguer-se e alegrar-se. Uma luz inesperada brilha.
Normalmente, para esta celebraçãp, mais de dois mil jovens vêm a Taizé. Na nossa Igreja da Reconciliação, cantamos e, por meio de pequenas velas, transmitimos uns aos outros a luz da ressurreição.
Caros irmãos e irmãs, mesmo que hoje estejam sentados sozinhos em frente aos vossos ecrãs, estamos unidos pela fé na ressurreição. Mas talvez estejam também a pensar, como eu neste momento, nas pessoas para quem não é fácil acreditar. Muitas vezes os jovens perguntam-me em Taizé: «O que significa para mim que Jesus ressuscitou dos mortos? Porque é que Deus não intervém quando as pessoas sofrem ou quando a minha segurança é abalada?» A pandemia torna todas estas questões ainda mais prementes.
A nossa fé não nos dá respostas fáceis. Mas convida-nos a confiar que Cristo também está connosco nos momentos difíceis. Isso dá-me esperança de que vamos aprender alguma coisa com as experiências da pandemia. Queremos viver juntos como irmãos e irmãs, viver a partilha e a solidariedade de uma nova forma e cuidar cada vez mais da nossa terra. Este é um momento para um novo começo.
Como igrejas, queremos contribuir para isso. Mas muitos dizem-nos com razão: a vossa mensagem de amor não é credível! Os abusos têm destruído muita confiança. É preciso coragem para trazer luz a esta escuridão.
Também nós, irmãos Taizé, temos de enfrentar isso. Dialogando com os sobreviventes de abusos, tornou-se muito claro para nós que uma cura só é possível se admitirmos o que aconteceu; só se assumirmos a responsabilidade e fizermos todos os possíveis para assegurar que as vozes das vítimas são ouvidas, que a justiça lhes é restituída e que no futuro ninguém viva sofrimentos desses. Para isso, é necessária uma renovação profunda nas nossas igrejas. São indispensáveis mudanças estruturais.
A fim de inovar na sociedade e nas nossas igrejas, precisamos também de uma profunda renovação espiritual.
Muitos jovens procuram uma vida espiritual que os possa apoiar. Em Taizé fazem a experiência de como é importante fazer regularmente uma paragem. E é verdade: onde quer que esteja, posso voltar-me para Cristo em qualquer momento. Cristo Ressuscitado está sempre presente.
As dúvidas podem permanecer. Ter fé não é o mesmo que ter certezas; trata-se acima de tudo de um caminho na esperança. Torna-nos mais abertos aos outros; mais atentos às pessoas e aos acontecimentos à nossa volta e no mundo.
A pandemia impõe-nos limitações dolorosas, mas já nos podemos preparar para ir mais ao encontro dos outros no futuro. Também em direcção àqueles de quem não nos aproximaríamos espontaneamente: por exemplo, os migrantes, que vivem muito perto de nós. Acabámos de ouvir como a Julia, a Sandra e o Ambote o puseram em prática nas suas vidas - estendendo a mão a outros. Isso encoraja-nos.
Não há muito tempo, um pastor protestante da nossa região visitou-nos em Taizé. Contou-nos como, antes da pandemia, organizou um encontro semanal com as pessoas da sua paróquia durante uma refeição para falar das suas vidas e da sua fé.
Isso não tem nada de espectacular. E talvez alguns dos que me estão a ouvir gostariam de fazer o mesmo, quando isso for novamente possível. A Igreja é uma comunidade viva. Vive em celebrações comunitárias e na partilha da vida quotidiana. É uma comunidade a caminho.
Podemos viver juntos esse caminho nas nossas paróquias e nos nossos pequenos grupos. A nossa comunhão é enriquecida quando cristãos de diferentes confissões se juntam. Uma renovação espiritual das nossas igrejas só pode acontecer em conjunto.
Podemos receber a nossa diversidade entre os cristãos como um presente. Isto não exclui o facto de, por vezes, termos simplesmente de nos suportar pacientemente uns aos outros. Nunca devemos estar satisfeitos com o escândalo das nossas divisões! As nossas igrejas ainda não podem partilhar todos os tesouros da fé em conjunto. Mas Cristo não está dividido. Ele é a nossa unidade. Só se nos reunirmos mais vezes em oração comunitária é que poderemos viver de forma credível a nossa unidade na diversidade.
É possível. Em Taizé, dia após dia, pessoas de diferentes confissões, línguas, países e culturas reúnem-se diante de Deus. Quando ouvimos juntos as Escrituras, louvamos a Deus e partilhamos longos momentos de silêncio, o Espírito Santo já está a fazer de nós uma comunidade viva.
Gostamos de cantar estas palavras antigas: «Ubi caritas et amor, Deus ibi est» – «Onde está o amor, Deus está presente». Há muitas coisas que as pessoas fazem umas pelas outras que são um sinal vivo do amor de Deus. Abramos os olhos! Mesmo nos nossos tempos por vezes tão difíceis, o Reino de Deus já está no meio de nós.