Depois dos acontecimentos dramáticos do ano passado em Ceuta e Melilla, os fluxos migratórios dos candidatos subsaarianos à emigração modificaram-se rapidamente. Acabaram as travessias do deserto em direcção ao Norte que faziam dos centros urbanos de Tamanrasset (Argélia) ou de Agades (Níger) bases de partida muito vivas. Já há alguns anos que era explorada uma rota alternativa a partir do Sara Ocidental. Escondidos nas dunas costeiras, aí esperavam uma acalmia do oceano e depois, em dois dias, com um pouco de sorte, conseguiam chegar às Canárias… ou seja a Espanha, ou seja à Europa! Em Dacar ainda se fala do caso duma mulher nigeriana grávida, quase no fim do tempo, que, maltratada pela travessia e a acostagem um pouco brusca, tinha tido, mesmo ali na praia, um bebé «espanhol». Com a ajuda do direito de solo e reagrupamento familiar, toda a família tinha conseguido o seu objectivo.
Depois disso, as coisas mudaram muito. Marrocos barricou-se e agora é Nouadhibou, o porto setentrional da Mauritânia, que aparece invadido por uma multidão de candidatos à viagem, vindos sobretudo dos países do Sahel, mas também de muito mais longe. Já ninguém se esconde durante a noite, como antigamente, nas cargas destinadas à Europa, pois há o risco de se ser encontrado logo de manhã por granadas lacrimogéneas da polícia. Começa o reino da piroga. Dois motores fora de borda, um ou dois GPS, e até cinquenta passageiros que embarcam nas barbas da polícia. Agora são necessários pelo menos cinco dias de navegação perigosa, subindo primeiro para Norte, não muito longe da costa, para estarem escondidos dos barcos guarda-costas espanhóis, e não muito perto, para escaparem à polícia marroquina. Algumas escalas nocturnas antes da grande travessia. Muitas embarcações desaparecem nesta altura: cascos podres, motores que avariam, GPS levados pelas ondas, pilotos pouco fiáveis…
A Espanha dá agora o seu apoio logístico à Mauritânia para travar ou impedir as partidas. O controlo reforçado fecha o sector. O movimento muda-se então para o Sul. Agora até em Dacar se embarca. A viagem é assim cada vez mais longa, cada vez mais arriscada… e dispendiosa. Fala-se de mais de trezentos mil francos CFA (cerca de 450€) por pessoa, ou seja o preço de um bilhete de avião para a Europa.
O futuro? Pode pensar-se que, sem o dizer, a Europa sitiada vai multiplicar as pressões e as ajudas para que os governos africanos refreiem ou, se possível, fechem os fluxos na origem. Controlos draconianos nas fronteiras, repatriamentos forçados das pessoas originárias dos países vizinhos: será que a «liberdade de movimento das pessoas e dos bens», tão proclamada pela CDEAO (Comunidade dos Estados da África Ocidental), etapa importante na marcha para a unidade sonhada do continente, será a primeira vítima deste esforço? E o fechar da África irá estender-se assim pouco a pouco? Como aceitar isto? E não será ilusório acreditar que se poderá assim barrar este movimento, alimentado por tanta falta de esperança?
O Ponto de Acolhimento para Refugiados e Imigrantes, sob a responsabilidade da Caritas de Dacar, até agora ainda não tinha tido que acolher pessoas do Senegal. Mas eis que aparece uma nova categoria de pessoas que pedem ajuda: aqueles que foram deportados ou forçados a recuar. Expulsos de Marrocos ou da Mauritânia, por vezes desembarcados de charters europeus, terminam em Dacar completamente perdidos. Para poderem tentar a aventura, tinham tido que pedir um empréstimo ou então tinham sido financiados pela própria família ou pelo povo da sua aldeia; partiram levando consigo as esperanças de todo um grupo. Agora falharam, perderam tudo e morrem de vergonha. Não podem pensar em regressar à sua aldeia, onde teriam que enfrentar os credores: como poderiam reembolsá-los? Não conseguiriam fazer face ao olhar dos outros perante o seu fracasso. Por isso ficam por cá, refugiados no seu próprio país, sem recursos nem família. E com os corações cheios de um desejo insaciável de se vingarem do destino. Farão tudo para voltar a tentar ultrapassar as barreiras, que são cada vez mais elevadas.»