A presença dos irmãos da Comunidade de Taizé em Nairobi tornou possível manter a ligação com muitas pessoas da África Oriental. De 13 a 23 de Novembro de 2901, dois dos irmãos visitaram o Ruanda. Participaram no fórum anual dos jovens católicos, organizado este ano em Gikongoro.
Dois mil participantes de todo o país, assim como delegações do Burundi e da República Democrática do Congo, vieram juntos para quatro dias de reflexão e oração sobre o tema «Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» Os irmãos da comunidade foram convidados a conduzir um momento de oração à volta da cruz na sexta-feira à tarde, seguido de uma oração itinerante que atravessou a cidade.
No domingo, 21 de Novembro, no centro S. Paulo em Kigali, jovens que tinham participado em encontros anteriores, prepararam um dia de reflexão sobre o tema do baptismo.
Os irmãos da Comunidade prosseguiram contactos com vários líderes da Igreja: o Arcebispo Kolini e o seu recém-eleito sucessor na cúpula da Igreja Episcopal, Onesephore Rwaje; o pastor Pascal Bataringaya, vice-presidente da Igreja Presbiteriana; e o bispo Servilien Nzakamwita de Byumba, responsável pela pastoral juvenil da Igreja Católica.
Jovens do Ruanda estão a participar em retiros organizados em Nairobi pelos irmãos da Comunidade. Mais de duzentos participantes, do Quénia e de vários países vizinhos, fizeram a inscrição para participarem nos encontros da primeira quinzena de Dezembro.
Em Abril - Maio 2009
Em Abril - Maio de 2009, dois irmãos de Taizé visitaram o Ruanda e encontraram jovens que tinham participado no encontro em Nairobi - uma etapa da Peregrinação de Confiança através da Terra - em Novembro de 2008.
A região de Kibuye
Em Kigali, Butare, Kabgayi, Kibuye e Ruhengeri, encontrámos aqueles que participaram no encontro de Nairobi. A presença de duzentos e sessenta Ruandeses causou uma forte impressão nos Quenianos. É bom poder ser capaz de passar esta mensagem e de lhes poder agradecer por terem feito a viagem. Depois de vermos o filme desta etapa da Peregrinação de Confiança, todos puderam partilhar o que os tocou mais particularmente. Vários temas recorrentes emergiram: o caloroso e atencioso acolhimento oferecido pelas famílias, o sentimento de unidade – apesar de todas as diferenças de origem e de passado, o momento colectivo de silêncio no centro de cada oração. «Não sabíamos quem eram, nem de onde vinham e, mesmo sem falarmos a mesma língua, conseguíamos comunicar. Percebemos que os outros são tão tímidos quanto nós quando se trata de partilhar a sua fé e falar da sua vida interior...» «Na nossa paróquia, os jovens Quenianos entregaram a todos um cartão de membro do grupo de jovens, como um sinal de que a partir dessa altura nós também fazíamos parte dele.» «Podíamos sentir as pessoas a tremer de emoção sempre que partilhavam os seus mais íntimos pensamentos e sentimentos.» «De modo a prolongar isto no tempo, os jovens de Kigali formaram uma ‘Fraternidade de Esperança’. Reúnem-se todos os trimestres para um tempo de oração e partilha. Em Kabagayi tencionam dividir-se em grupos para visitarem as vinte e cinco freguesias rurais.»
Kibuye estava «cheio» de pessoas a fugir da capital, para aproveitarem o feriado de Maio! A paisagem é de cortar a respiração, com encostas arborizadas que se espalham até ao espelho, em constante mudança, do lago Kivu. Dotado de ilhas arborizadas, o litoral é serrilhado por longos fiordes que despontam em inúmeros riachos. Pequenos ferries de uma margem para outra, o barqueiro que chama potenciais clientes, os passageiros que cantam e tocam tambores para incentivar os remadores. À noite, um brilho avermelhado aparece no horizonte: a cratera do lago de lava em Nyiragongo reflecte-se na pluma de fumaça que sobe do cone. Mas a paisagem também tem as cicatrizes da trágica história do país. Toda a zona montanhosa e grandes parcelas de terra permanecem abandonadas e casas de tijolo de lama são deixadas a desintegrar-se. Nesta região, a purga foi mais radical e prolongada do que noutros locais.
Enterro dos restos mortais de 127 vítimas do genocídio,
Memorial de São João Casa, Kibuye, 2 de Maio 2009
No sábado, 2 de Maio, fizemos com os residentes locais e pastores de todas as confissões uma oração em memória do genocídio... Durante uma hora e meia, as pessoas revezaram-se em turnos para lerem as 38 páginas que compunham a lista dos nomes das vítimas. Isto é, contudo, apenas uma fracção das 11.400 vítimas mortas num só dia, nesta paróquia. Depois, houve o enterro dos restos de 127 cadáveres exumados recentemente nas colinas. Orações são ditas por representantes das Igrejas e da mesquita, os sobreviventes partilham os seus depoimentos e discursos oficiais são entregues pelas autoridades... o governador, o prefeito e dois deputados chegaram de Kigali para participar no encontro.
No domingo, 3 de Maio, eucaristia no acampamento de Kiziba, a casa de 18.000 Congoleses ruandófonos, refugiados que fugiram do seu país em 1996... As pessoas estão agradecidas por poderem encontrar-se fraternalmente. O coro juvenil mostra todo o seu virtuosismo. Brilham de orgulho quando é anunciado que serão encarregues de liderarem a festa no próximo encontro diocesano da juventude. Os vinte quilómetros a pé para chegarem à reunião não os fazem esmorecer. Isabelle, uma freira espanhola, está a cargo de 200 trabalhadores sociais ...
Desde a carrinha que nos leva de Kibuye a Kigali, a partir dos terraços da bacia do Congo-Nilo, um conjunto de pelo menos uma dúzia de cordilheiras estende-se para o horizonte, até quanto os olhos podem ver. Eucaliptos verde e prata contrastam com a cor ocre da terra e os infinitos tons de verde que acabam por desaparecer no azulado distante do horizonte. Pequenas casas de telha romana abrigam-se debaixo das bananeiras. Apenas os riachos parecem encontrar o seu caminho através do labirinto de colinas. Quando o vale se amplia, o papiro é limpo, para que possa nascer milho, batata doce e repolho, nestes solos mais férteis. Em cada bifurcação das estrada em terra, aglomerados de táxis-bicicleta esperam por clientes. Em direcção às aldeias, a caminho do mercado, a maioria das pessoas viaja a pé...
Celebração no domingo de manhã no campo de Kiziba
Por detrás da cara sorridente do Ruanda, existe o peso do passado sofrido, da dureza da vida quotidiana e dos inúmeros desafios que ainda têm de ser enfrentados. O Dr. Ezechias Rwabuhihi dedicou-se às necessidades do país, primeiro como Ministro da Saúde e, em seguida, como deputado. «Um grande esforço foi necessário para colocar o país de novo de pé. A reconstrução, o restabelecimento da segurança, a reabilitação das infra-estruturas danificadas, o funcionamento das instituições: é um bom começo. É animador, mas não queremos parar aí. O principal trabalho dos Tribunais está quase concluído. A integração regional do Ruanda na Comunidade da África Oriental é um passo importante no sentido da abertura dos nossos países que não têm zona litoral, que estão isolados e foram deixados limitados aos seus próprios recursos durante demasiado tempo. Eliminar a pobreza extrema que caracteriza a vida de uma grande percentagem da população continua a ser o maior desafio. Temos ainda muito trabalho a fazer.»
Apesar do forte dinamismo da capital e da quantidade impressionante de construções em curso, muitas pessoas enfrentam ainda graves dificuldades económicas. «Somos frequentemente interrompidos por mães ou mesmo crianças pedindo comida. Como começo a conhecer a sua situação um pouco melhor, estou surpreendido pela sua coragem. É o único país da África onde tenho visto mulheres trabalhadoras indo até ao topo dos andaimes das obras», comenta um morador da Kicukiro. No campo, o tamanho médio de uma das parcelas agrícolas é de meio hectare: nem sempre suficiente quando há dez bocas para alimentar. Vales são desenvolvidos para a cultura do arroz. Presos que escolhem o trabalho comunitário, a fim de reduzir sua pena, constroem socalcos na encosta, que permitem diminuir a perda de fertilidade do solo e aumentam a área cultivável. Educação, formação e projectos de auto-ajuda são a chave para o desenvolvimento. Existem numerosas iniciativas e as Igrejas têm um papel importante.
Vista geral do campo de Kiziba
A comunidade de diaconisas de Rubengera comemora o seu 25º aniversário este ano. Estas freiras, que vêm de diferentes denominações protestantes, servem a população local através de projectos de desenvolvimento social: orfanatos, visitas aos mais pobres e isolados, uma padaria, agricultura, costura, oficinas, cartões feitos à mão a partir de folhas de bananeira... Elas assumem parte do trabalho pastoral da paróquia e oferecem acolhimento espiritual.
No salão principal do centro diocesano de Ruhengeri, o Padre Janvier executa um programa de formação profissional para as raparigas e mulheres jovens: cabeleireiras experimentam as suas habilidades, entre todas, outras pedalam nas suas máquinas de costura e outras esforçam-se no trabalho bordado. A poucos quilómetros de distância, há um novo campus universitário onde dois mil alunos já estão matriculados.
As igrejas não foram poupadas na tragédia de 1994 e suas consequências. E, ainda assim, as pessoas estão mais presentes do que nunca. A linguagem utilizada na liturgia, as canções e os textos proclamados - todos se enquadram profundamente na sua história. É aqui que muitos descobrem um caminho de consolação e de vida. As igrejas estão a transbordar, mesmo durante a semana. Quatrocentos padres foram ordenados desde 1994, ou seja mais do que entre 1917, o início da missão, e 1994! Existem actualmente 270 em formação no Grande Seminário.
Há muito sofrimento acumulado que permanece inexprimível. Pouco a pouco, a luz começa a iluminar a escuridão à medida que as pessoas começam a falar e à medida que, com cada novo corpo exumado, o luto se torna possível. Permitir aos familiares um enterro é uma parte essencial do processo de cicatrização e permite aos sobreviventes seguirem em frente com suas vidas.
Uma mulher refugiada
Encontrar alguém em quem confiar é inestimável. «Nós podemos proporcionar aos cidadãos um ouvido atento. Muitas vezes alguém vai admitir: é a primeira vez que falo sobre isto com alguém. Às vezes são necessárias várias sessões. Mesmo que não possamos resolver todos os problemas, ouvir é um primeiro passo importante. A partir daí, um novo começo é possível. Encontro pessoas que perderam tudo e que ainda são capazes de avançar. É sempre um grande incentivo para mim», explica a irmãnzinha Stephanie. Quando os vejo continuar a sua vida, percebo que cada Ruandês, homem ou mulher, carrega dentro de si uma fonte de esperança», conta Martha, Filha do Coração de Maria, em Butare.
«Apenas quando todo o sofrimento puder ser manifestado, poderemos ter a certeza de estar juntos na verdade. É esta unidade na fraternidade que dará um testemunho autêntico», insiste François Xavier, líder da comunidade.
Durante um estágio, os alunos de psicologia clínica de Butare reconheceram a dimensão do desafio com que se deparam na sua profissão. Eles decidiram formar um grupo, o «grupo orientado pata a vida», para apoiar cada um, partilhando as suas experiências e a oração.
O Padre Inocêncio perdeu toda a sua família no genocídio. No entanto, ele foi um dos primeiros a ser ordenado após os acontecimentos de 1994. Hoje é prior de uma grande paróquia perto do aeroporto. Como todos aqueles que viveram a tragédia, ele começa por recontar as suas experiências, antes de continuar: «Não é humanamente possível entender o que aconteceu. Primeiro, pensei que o fim do mundo tinha chegado. Em seguida, houve um forte sentimento de abandono: nós sentimos que o resto do mundo nos ignorou. Com o passar dos anos, estes sentimentos desaparecem, à medida que nos sentimos ouvidos e compreendidos. Algumas pessoas são tentadas a procurar ajuda externa e conforto, mas, em vez de fugirem para um mundo ilusório, temos que ajudar as pessoas a irem mais fundo, à própria profundeza dos seus corações. É só quando examinam à luz de Cristo o que lá encontram que poderão ressurgir, livres dos seus grilhões. Encontrarmo-nos sós no nosso calvário ensina-nos que podemos contar apenas connosco mesmos. Antes, estávamos frequentemente envolvidos em relações de dependência, apoiados nos poderes paternais. Agora crescemos. A igreja no bairro é a segunda maior do país e a sua construção foi inteiramente financiada por contribuições da comunidade. É a primeira vez que um feito destes é alcançado e mostra-nos do que somos capazes.»
No decurso das nossas reuniões, ouvimos falar aqueles que não cederam perante o medo ou a loucura da violência, aqueles que protegeram ou alimentaram os seus vizinhos, por vezes sacrificando-se no processo. Também encontrámos pessoas que, após uma longa jornada pessoal, redescobriram uma liberdade interior e agora se dedicam a servir os outros. Cada um desses caminhos diferentes atesta a capacidade do homem para se libertar do ódio, da amargura e do absurdo, e para se revitalizar, para lá do poder de compreensão dessas impressões desbotadas de generosidade e auto-sacrifício, derramando-se para fora, para os outros... Há aqui tesouros que irão desafiar e incentivar os outros, independentemente da sua origem ou da situação em que se encontrem.