Assanté, hongera, tunaendela
No final da noite, o barulho do tráfego vindo da auto-estrada cresce gradualmente, intensificado pelas buzinas dos autocarros, que chamam os clientes. Depois, é o concerto dos pássaros que anuncia o dia.
Já não há água há uma semana e não se sabe quando voltará! É o mergulho na vida de cosmonauta: na vida extraterrestre será preciso economizar cada gota, utilizá-la mais vezes, reciclá-la, se possível. Ficção científica? Este é, de facto, o quotidiano de muita gente, mesmo numa cidade moderna como Nairobi. Alguns bairros são abastecidos por camiões cisternas; noutros lados, há uma torneira comunitária onde cada um vai comprar a sua porção de água.
A gratuidade vivida torna-se um testemunho precioso
No Quénia o ambiente geral é de preocupação. A seca está a prolongar-se; algumas regiões tiveram três estações sucessivas sem colheitas. A crise internacional começa a fazer sentir os seus efeitos no turismo, na indústria das flores e também nos sectores das comunicações ou da cervejaria. Contudo, é a evolução política local que alimenta mais a inquietação. Os responsáveis estão ocupados com outras manobras e as reformas fundamentais (constituição, terra...) com as quais se tinham comprometido no pacto de 2008 não foram ainda realizadas. A coligação está abalada, há ministros que se demitem. «Somos o terceiro país mais corrupto do mundo!» confessam alguns jovens. Podem estar a brincar, mas é claro que isso pesa como um problema sobre a sua moral. A avidez, a procura do poder e os seus abusos revelam todos os dias muitos escândalos nas primeiras páginas dos jornais. Isso pode estender-se sobre a sociedade. Contudo, não corresponde nem à tradição nem à cultura que dava importância à partilha e à entreajuda, como se vê ainda no seio das famílias. Sobre aquele fundo de corrida ao sucesso material, a vivência da gratuidade torna-se um precioso testemunho. É preciso um esforço de leitura para discernir os seus traços: pequenos sinais de saudações trocadas no caminho, o cântico de uma mulher da limpeza na escada de um grande prédio, a discussão sobre uma passagem do Génesis com um vizinho de autocarro. Há também os que proclamam isso através de toda a sua vida: mulheres que se consagram a pessoas idosas mais pobres, à educação das crianças, ao cuidado dos doentes, os que aceitaram desenraizar-se para servir comunidades, os que rezam... Todos estes expressam a possibilidade de estarmos juntos, para lá da comparação, do cálculo... Em Nairobi, eles são numerosos...
O encontro de 2008
Há muito reconhecimento pelo encontro do ano passado. «Vocês tornaram-nos mais fortes» diz um estudante à sua maneira. O responsável de uma comunidade explica: «Os jovens admiraram-me. Estiveram à altura e por isso fomos capazes de lidar com o número maior de participantes, convencer as famílias, gerir bem os atrasos e a animação...» Um outro responsável da Igreja confessa: «Não acreditava nos meus olhos quando cheguei ao sítio do encontro. É importante abrir os jovens ao ecumenismo porque aqui não se fala de nada a não ser quando há uma urgência nacional». O mais tocante foi sermos acolhidos em grupos que prosseguem com uma oração regular, como em St. Benedict ou em Kariobangi.
A semana santa e a Páscoa
Sexta-feira santa em Korogocho. Desde a manhã que a cruz está deitada no coro da igreja. Os fiéis de cada uma das quatro zonas animam uma hora de oração com salmos, leituras, silêncio, intercessões. Ao meio-dia, a peregrinação começa no bairro do mercado. Duzentas pessoas estão já aí, mas a pequena multidão vai triplicar ao longo das estações, nos diferentes cantos de Korogocho. O incenso que sobe de um forno portátil de quinze litros e a poeira vão acompanhar-nos durante horas. Ao sabor da brisa, isso mistura-se com os odores da fermentação das fossas, com o aroma do feno das folhas que embalam as bananas, com os cheiros a fritos e a carvão das cozinhas de rua, com os odores que emanam do imenso entulho vizinho. O nosso grupo põe-se a caminho, bloqueando o fluxo dos que passam. Seguimos a grande cruz com os seus cem quilos, transportada por uma quinzena de pessoas e... o altifalante que permite escutar os cânticos. Nas ruelas atulhadas, trata-se de tentar não nos distanciarmos, sem pisarmos os pés dos nossos vizinhos. Balidos, música dos bares, o apelo dos muçulmanos, moinhos de milho, artesãos... Nas ruas apinhadas, as pessoas param o trabalho para olhar a multidão a cantar, meio divertidas, meio admiradas. Em cada estação, agrupamo-nos à volta da cruz, posta de pé, somos acolhidos por um representante da pequena comunidade local, enquanto um outro comenta brevemente a leitura, fazendo a relação com os desafios actuais. Lar de reabilitação de crianças de rua drogadas, escola, campo de jogos, centro de solidariedade, ruínas de casas queimadas durante as violências pós-eleitorais, ponte da descarga, os sem-abrigo, bêbados, crianças que recolhem objectos na rua... a nossa peregrinação passa por alguns dos locais de sofrimento desta humanidade, mas também locais de iniciativa e de compromisso. Revezar-se para levar a pesada cruz torna-se uma parábola viva: seguimos juntos Cristo, que se confia a nós e nos acolhe. Maria, Simão de Cirene, Verónica, as mulheres não pararam a paixão. Eles estavam com Jesus. O que parecia uma engrenagem de violência insuportável revelou-se o caminho para a Páscoa. É impossível curar rodas as feridas desta humanidade, mas acolhidos pela comunidade em oração, levados pela sua fé, é possível não fugir, levar um pouco do fardo; desde que fiquemos com os outros, um caminho abre-se no incompreensível...
Sábado santo. Vigília pascal em Bosco Town com 300 crianças de rua, escolarizadas pelos Salesianos. A vigília segue a liturgia tradicional com a bênção do fogo, as longas leituras... Alguns contorcem-se de sono nos bancos. Cerca de trinta crianças são baptizadas por imersão. A riqueza dos símbolos parece realmente adaptada.
Domingo de Páscoa. Eucaristia no pequeno bairro de lata, vizinho de Kwinda. Foi uma das mulheres da comunidade que deu o seu bocado de terreno para construir a igreja e algumas barracas para reuniões. Desejamos boa Páscoa uns aos outros mas também por SMS.
Para dizer três palavras
Para a jornada diocesana da juventude, no domingo de Ramos, o Pe. Peter convidou-me a dirigir uma palavra a todos. «Vim para vos dizer três palavras: Assanté, hongera, tunaendela: Obrigado pelo vosso acolhimento e colaboração. Bravo, não apenas pelo vosso empenho e pelo vosso trabalho frutuoso, mas porque a vossa confiança e o dom de vós mesmos testemunharam Cristo, única fonte de paz e de comunhão. Continuemos: rezamos para que haja num futuro próximo outras ocasiões de encontro com os jovens de África e de outros lados; contudo podemos viver cada dia a peregrinação de confiança: seguir a Cristo e servir a confiança». Estou feliz por vos dizer também a vós que não poupastes forças para ultrapassar o desafio do encontro de Nairobi: obrigado, bravo e continuemos.