Jean-Paul, 15 de Janeiro:
«Agradeço a Deus por me ter poupado desta morte súbita. Porém, seria melhor morrer do que viver numa situação destas. Não há comida, não há actividade bancária, os bancos que não estão destruídos estão fechados. Todas as universidades estão destruídas. Os cadáveres estão nas ruas. Já se anunciam as epidemias. Eu conto-vos tudo isto, mas não podem imaginar este inferno. Porquê nós? A capela da minha paróquia está destruída. Dormimos no chão, em plena rua. Se pudessem ver com os vossos próprios olhos... A capital está destruída, as aldeias da província estão muito danificadas e não há nada para levar para lá. Não podemos sequer enterrar os nossos familiares.»
Karl, 18 de Janeiro:
«Obrigado por este pequeno milagre que a oração de Taizé fez na minha vida. Saio dos escombros com uma criança nos braços. Não sei como consegui realizar semelhante coisa, dado que, quando tudo começou, vi o meu amigo Georges cair debaixo de uma massa de betão. E vi ainda tantos outros que me estenderam a mão pedindo ajuda. Como a minha mão era demasiado fraca para levantar os escombros de ferro e betão, ficaram à espera dois dias, até morrerem... Nunca mais vi o Stève, nem o Georges... esperemos que não tenham morrido. A paz e a serenidade: obrigado por essa herança do irmão Roger.»
Richard, 21 de Janeiro:
«De noite: a vida ou a morte, não vejo a diferença.
Desde terça-feira, 12 de Janeiro, quando o país mergulhou numa profunda desordem, vi vários anos absorvidos por cinco segundos de tremor. A esperança desapareceu. Não há dinheiro, não há empregos, há milhares de sem-abrigo, não há água, não há comida, não há electricidade.
O Estado, que antes estava ausente, agora pode dizer-se que fugiu.
Por baixo dos destroços, os cadáveres estão em decomposição, nove dias depois: o cheio é insuportável em quase todos os bairros, nós dormimos ao ar livre perto do lixo e dos odores de urina e de matérias fecais. As epidemias de tipos desconhecidos hão-de vir a seguir.
Mas Deus é grande e, uma vez que é amor, o seu plano de amor para nós já está estabelecido. Os cânticos de Taizé «Jésus le Christ» e «Fiez-vous en lui» dão-me uma força e uma confiança nunca imaginadas. Peço-vos que os cantem frequentemente nas orações em memória do Haiti.
Imaginem um instante: uma geração, que não tem praticamente conhecimentos nenhuns sobre catástrofes naturais, fica desfeita com uma destas catástrofes. Eu não sabia que depois de um sismo as réplicas podiam ser tão duras; durante toda a noite, sofro com o coração ofegante e, quando surge uma réplica durante o sono, a respiração pára.
O pânico instala-se, pois o efectivo de polícias é reduzido e houve muitos prisioneiros que fugiram. Todas as noites há casos de roubos, de violações, ouvem-se tiros e por aí fora.
E, pior do que isso, há quem faça circular rumores. Terça-feira, algumas horas depois do drama, um grupo de bandidos, com o objectivo de levar o que os sobreviventes ainda tinham, passou a correr, aos gritos, dizendo que as águas estavam a subir: “Tsunami.” Imaginem as pessoas, gravemente feridas, com ossos partidos, a tentar correr. Meus Deus!
Peçam a todos os povos do mundo, durante os encontros em Taizé, para rezar no dia 12 de cada mês, durante 12 meses, pelo povo haitiano. Não hesitem! É muito importante.»
Declaração de um bispo
No dia 21 de Janeiro, o bispo D. Pierre Dumas, um grande amigo de Taizé, presidente da Caritas do Haiti, declarou:
«(…) Penso que a nossa caridade e a forma como estamos a viver esta crise vão ajudar-nos a fortalecer a nossa humanidade, a ser mais generosos, abertos e disponíveis aos outros, porque os locais simbólicos que nos ajudavam a viver juntos foram destruídos. Todos os símbolos que nos uniam: a catedral, o palácio presidencial, os ministérios, as escolas, as comunidades religiosas, tal como muitos outros locais, foram afectados.
Agora, temos que construir de novo para podermos viver juntos. Devemos fazê-lo de uma forma que elimine preconceitos e discriminações e que gere confiança. Devemos fazer de forma a suscitar a solidariedade e a abertura de espírito. Penso que este acontecimento vai dar-nos a possibilidade de reconstruirmos o nosso país de maneira diferente e de compreendermos aquilo que nos une. (...) Isso não significa construir as coisas como elas eram antes, pois temos a possibilidade de construir um Haiti melhor, onde as pessoas estejam no coração de tudo.»