Paz aos que estão perto«Na sua vinda, Cristo anunciou a paz a vós que estáveis longe e paz àqueles que estavam perto» (Ef 2, 14-17). É esta citação de São Paulo que dá o título a este novo artigo. Jovens de diferentes continentes partilham as suas experiências de uma solidariedade vivida de forma concreta, ao seu redor. Nas páginas interiores, um artigo aborda a problemática «pensar global, agir local» e são propostos dois comentários bíblicos a partir de textos ligados às relações no seio da família, espaço natural da solidariedade imediata.
Hannah (Reino-Unido)Ser amigável pode fazer-nos cair no perigo das frases simples e feitas. Um compromisso com a autenticidade pode ser um meio de partilhar a paz com aqueles que se aproximam de nós. Não podemos estar com todas as pessoas como estamos com os nossos amigos mais próximos – tentando, arriscaríamos perder a profundidade das nossas amizades. Ao mesmo tempo, é importante permanecer atentos às novas pessoas vindas de um local pouco familiar, como a universidade ou a comunidade paroquial, e assumir a responsabilidade de os reconhecer e acolher. Judith (Holanda)Para mim, a solidariedade começa por me guiar ao encontro das pessoas de uma forma autêntica. Reconhecer a humanidade nos outros e em mim mesmo. Devemos permitir que as necessidades dos outros nos afectem. Logo após o meu regresso a casa depois de uma estadia em Taizé, percebi como é fácil fecharmo-nos a qualquer possibilidade de encontrar o outro, de sermos confrontados com as suas necessidades. Por exemplo, ligo sempre o meu leitor de MP3 assim que saio de casa. Olhando ao redor de mim no autocarro ou no comboio, vi numerosas pessoas que escutavam a sua própria música. Decidi retirar os meus auscultadores e estar mais presente para as pessoas que me rodeiam. Tal permitiu-me ter algumas boas conversas com desconhecidos e, de certa forma, expressar a minha solidariedade. Katarzyna (Polónia)Todos os dias, agradeço a Deus ter nascido numa família maravilhosa. Se sou a pessoa que sou, é, sobretudo, graças aos valores que recebi dos meus pais e avós: a fé, a abertura de espírito e a generosidade desinteressada. Sinto um grande reconhecimento pelos meus avós, sempre dispostos a ajudar e a escutar e que me ajudaram a descobrir Deus e a beleza do mundo. Os meus pais mostraram-me pelas suas próprias vidas como viver de acordo com o coração, com sensibilidade e empatia pelos outros. Os laços familiares ensinaram-me a viver em comunidade desde a mais tenra infância. É em comunidade que a humanidade se realiza. O diálogo entre gerações, baseado na compreensão e na abertura, é um dom recíproco cujo objectivo é revelar a bondade que se encontra em cada um de nós. Alphonce (Tanzânia)Trabalho num hospital universitário em Dar-Es-Salaam, onde pude aprender a fazer face às necessidades físicas da população das regiões rurais. Este hospital acolhe milhares de pacientes oriundos de numerosas regiões distantes. A maioria é pobre e permanece no hospital durante vários meses aguardando tratamento. Alguns são mesmo abandonados pelos que lhes são próximos. Assim, não basta ir ao encontro das pessoas num ponto de vista estritamente profissional, num contexto da relação médico-paciente. Os pacientes necessitam de ser encarados como amigos, como filhos de Deus. Somos chamados a partilhar as suas dificuldades afim de lhes oferecer simpatia e empatia para melhor os servir. Michio (Japão)No meu campo de base da Caritas no Japão, um grande número de jovens chegou para ajudar as vítimas do tsunami e do sismo de 2011. Com eles, desenvolvemos variadas actividades : limpar a vila, trabalhar com os pescadores e tentar criar uma comunidade nos alojamentos temporários. Após o trabalho, conversávamos sobre o que sentimos com estas experiências. Quando partilhámos, percebemos que não existem barreiras entre as gerações. Frequentemente, deparo com adultos impressionados com o grande número de jovens que não pensam no dinheiro, mas que desejam ajudar aqueles que perderam as suas famílias e as suas casas. Muitos japoneses estão ainda inquietos com a situação das centrais nucleares e com o momento político. Porém, graças a esta experiência, renovámos a esperança e a confiança. Nicholas (Estados Unidos)Recentemente, fiz parte de uma delegação da minha universidade em El Salvador. Vinte anos após a guerra civil, a aldeia que visitámos ainda sofre. A população não pode esquecer a violência e as perdas vividas. Recordo-me de Hector, um pequeno rapaz que tinha o hábito de nos pegar na mão e seguir-nos. Um dia, vi que escavava um buraco no meio da poeira. Perguntei-lhe o que fazia e olhou-me com um grande sorriso: «Estou a construir uma casa para as formigas!» Isso tocou-me muito. Tenho 26 anos e sinto que muitos esperam que me torne mais forte, mais independente... talvez até mesmo mais cínico. Hector recordou-me a ternura que as crianças sentem pelos mais pequenos, que são como formigas aos olhos do mundo. A inocência e o idealismo da juventude podem ser tão extremos que parecem ridículos. Mas se lhes dedicarmos atenção, podem tornar-se um caminho rumo ao amor e à paz radicais. Cathel (França)Alguns anos após uma primeira missão de voluntariado no México, regressei em 2011 para fundar uma centro de dia para pessoas idosas e extremamente pobres, a Casa de Día «San Agustín». O México está minado pelas desigualdades sociais : os mais ricos circulam ao volante dos seus carros dispendiosos enquanto outros não têm acesso a àgua potável. Visitar uma cidade basta para constatar a amplitude da precariedade. A nossa casa ocupa-se, sobretudo, de pessoas idosas despojadas de tudo e que necessitam de mais do que uma ajuda alimentar para sobreviver. É esse o objectivo de uma associação como a nossa : oferecer um espaço adequado, propício à partilha e à luta contra a solidão. O mundo não mudará sem nós ; sem desejar mudá-lo de forma revolucionária, podemos sempre colocar em trabalho todas as nossas forças para o melhorar. Bregtje (Holanda)O contacto com pessoas próximas constitui o início da solidariedade e tal é possível com um simples «olá» e um contacto visual. Mas, se desejo ter um contacto intenso com todos, arrisco estar exausta no final do dia. É, por isso, importante não considerar todos os desconhecidos como os meus melhores amigos. Desta forma, é possível aproximar-me de muitas pessoas sem ficar desgastada. Posso, então, ter uma relação privilegiada com as pessoas que me interessam e que necessitam de mim. Julia (Alemanha)Creio que é importante para mim estar consciente do ambiente que me rodeia e das pessoas que aí posso encontrar – tentando simplesmente manter-me aberta e amigável e dar o primeiro passo se necessário. Iniciar o diálogo é, frequentemente, o único obstáculo a ultrapassar; posteriormente, podemos ver a reacção da pessoa e entrar em contacto pessoal. À partida, se alguém que não conheço me fala, ficarei provavelmente alegre de saber que a sua atenção se dirigiu a mim. Devo pensar nisto sempre que hesito em falar com uma pessoa na fila para o autocarro ou numa sala de espera. Maria (Roménia)Cresci numa aldeia romena com uma vida muito simples. Aprendi muito sobre confiança e partilha. As portas das nossas habitações estão sempre abertas e os nossos vizinhos podem entrar como se o fizessem nas suas próprias casas. Se necessitam sal ou óleo, por exemplo, e não estamos em casa, podem servir-se sem nos pedir. Tudo gira em torno da confiança, da partilha e da ajuda mútua. Cooperamos muito. Na agricultura, cada um ajuda o seu vizinho, de modo a terminar o trabalho mais rapidamente. Creio que isto é solidariedade ; a confiança, a cooperação, o amor e estar presente para os outros. Tudo isto aprendi no local onde vivi e estou muito reconhecida porque aí descobri valores que são os das pessoas simples e humildes. Daniel (Portugal)É verdade que Deus nos pede para honrar os nossos pais e podemos traduzir essa honra em valores como a lealdade, respeito e, sobretudo, o amor. Os pais desejam o melhor para os seus filhos. Contudo, por vezes, à medida que as crianças crescem, alguns pais tentam convencê-los a seguir um caminho que eles próprios escolheram ou que desejaram ter seguido. Pode ser muito duro para alguns pais aceitar que os seus filhos querem seguir um outro caminho. Desconfiando das decisões dos filhos, os pais arriscam impedi-los de seguir os seus próprios sonhos. Uma boa solidariedade familiar significa, para mim, que os pais confiem nos seus filhos e nas suas escolhas de vida. Magali (França)As palavras do irmão Alois na última oração do encontro em Berlim e parte da entrevista de Coline Serrault, «Soluções locais para um caos global» fizeram-me reflectir, especialmente sobre o ambiente. Uma acção concreta que realizei : visitei o meu vizinho, um reformado que cultiva um grande jardim e produz mais do que o necessário para si e a sua esposa. Está agora disponível a partilhar connosco o que sobra e nós usufruímos, por nosso lado, de bons legumes locais a baixo custo. De uma conversa com a nossa equipa do momento «Cristãos no Mundo Rural», resultou o projecto de um blogue que visa recensear os produtores locais – os oficiais - de legumes, de frutas ou de produtos vinícolas, porque nos apercebemos que são numerosos nas aldeias ao redor, mas não necessariamente conhecidos. Marius (Alemanha)A nossa escola elaborou um projecto para informar os jovens sobre a sida, graças ao qual podemos encontrar pessoas que sofrem desta doença. Após o primeiro encontro, compreendemos que a exclusão social pode ser pior do que a própria doença. Um homem contou-nos que transmitiu aos seus familiares e amigos a informação de que era portador do vírus mal o soube e alguns deles deixaram de lhe falar. O seu patrão dispensou-o, receando que contaminasse os colegas. A sua mãe chegou ao ponto de evitar comer dos mesmos pratos que ele. Foi devido a descriminações infundadas que começou a falar abertamente da sua história, a fim de mostrar que, apesar da sua doença, permanece normal. De facto, estar perto de uma pessoa portadora do vírus não representa qualquer perigo : a exclusão social parte unicamente de uma lacuna de informação. Dimitri (França)Mal cumpri 15 anos, participei numa viagem humanitária no Perú. Com um grupo de jovens, construímos uma casa para uma mãe e a sua filha nas favelas. A acção era considerada humanitária e é possível constatar facilmente o carácter unidireccional da ajuda. No entanto, esta viagem demonstrou-me o contrário. De facto, tive a impressão de ter recebido muito mais do que aquilo que dei. Finalmente, o gesto humanitário tornou-se solidário, franceses e peruanos construíram juntos a casa. Assim, todos aprendemos a conhecer-nos pela entreajuda, pela partilha e pelo objectivo comum. Esta viagem marcou-me profundamente na minha adolescência, forjou o meu carácter e a minha personalidade. Creio que a solidariedade é, antes de mais, um acto de tolerância e aprendizagem. Se deseja reagir ou dar a sua própria contribuição à procura lançada pela Carta de 2012 – «Rumo a uma nova Solidariedade». Pode endereçar a sua mensagem ao endereço seguinte: echoes taize.fr.
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