A Céline, uma jovem de Montpellier, esteve em Valência e deu um testemunho no encontro dos Franceses sobre a sua experiência humana e de fé como jovem enfermeira na Índia, na Tanzânia e no campo de refugiados de Calais. Depois do Encontrou Europeu, embarcou num barco de resgate no mar, da Associação SOS Mediterrâneo, o Aquarius, onde integrou a equipa de «Médicos do Mundo». Regressou a França em Maio e espera participar na semana de reflexão em Taizé de 28 de Agosto a 4 de Setembro.
Sábado 16 de Abril
Favila, o médico coordenador de «Médicos do Mundo», veio acordar-me às 5h da manhã: «Céline? Resgate dentro de uma hora!» No Aquarius duvidamos das previsões horárias, porque foram algumas vezes sobrestimadas. O telefonema chegou por volta das 3h30. Estamos preocupados porque é a primeira vez que vamos fazer um resgate de noite. Mas finalmente e ainda bem, o sol vai mostrar-se rapidamente e poderemos aproveitar a primeira luz do dia.
Trata-se da embarcação habitual: um barco de borracha considerado como um «brinquedo de mar». 116 pessoas, entre elas 20 mulheres e 1 menina de 15 meses. Alguns ficaram feridos por balas uma dezena de dias antes. O grupo partiu ontem à noite: estão todos em estado de choque.
Estão todos a bordo quando nos informam que vamos receber no Aquarius outro grupo que foi apoiado por um navio militar italiano. Temos de ser rápidos. Estamos contentes de ver que começamos a beneficiar da pequena experiencia: estamos cada vez mais organizados! Levamos mulheres e crianças para o interior, assim como os mais fracos para outra sala; os outros ficam lá fora. O protocolo pede para tirar a temperatura de cada um, mas está muito frio e mesmo comigo o termómetro afixava 35,3ºC... Inscrição, distribuição de cobertores, depois kits e por fim comida.
Enquanto que no resgate anterior guardámos as pessoas quase três dias, neste caso só as guardamos 3 horas. Com Maryse, a outra enfermeira, estávamos frustradas por quase não termos tempo de os ouvir! A transferência feita, utilizamos o resto da nossa energia para repor em bom estado o local para o próximo resgate. O mar está a ficar bravo: estamos praticamente certos de não ter nenhum resgate no dia seguinte.
Domingo 17 de Abril
Depois das 12h, não esperamos mais resgates. O mar não está bom e a hora já «passou». Ao programa do dia: descanso. Porque estamos todos cansados do dia de ontem. Mas às 17h o alerta é dado para um resgate. Pensamos e preparamo-nos para o pior: os migrantes ficaram muito tempo na água e vamos certamente encontrar mortos.
O barco de borracha não se encontra na posição anunciada. Somos três navios à sua procura. Foi um barco que o encontrou, mas não está bem equipado e não está preparado para um resgate no mar. Temos de agir. Temos dificuldades em ver o barco de borracha, está a afundar-se. É terrível. E o mar não está do nosso lado, com ondas de dois metros. Conseguimos salvar 108 pessoas, entre as quais 5 mulheres. Os socorros encontraram 6 corpos no fundo do barco. Outros afogaram-se à vista de todos. E muitos mais afogaram-se pelo caminho. Tinham saído às 9h – uma hora mais tarde, o barco de borracha já tinha começado a esvaziar-se.
Desta vez, os coletes salva-vidas não foram praticamente distribuídos por falta de tempo. Os migrantes estavam em grande aflição, alguns começaram a delirar e tivemos de lhes administrar um sedativo. Muitos subiram a bordo completamente nus. Aqueles que tinham ainda roupa estavam encharcados da cabeça aos pés. Eu estava no abrigo e recebia as pessoas mais fracas. Era necessário retirar toda a roupa deles para poderem aquecerem-se, mas também porque estavam cheios de gasóleo.
Após a distribuição das mantas de sobrevivência, tentava pô-los uns ao lado dos outros para eles poderem aquecerem-se. Era difícil: muitos tinham as pernas e as partes intimas queimadas pelo gasóleo. Alguns gritavam cheios de dores e eu não podia fazer nada, porque era preciso salvaguardar a vida de um máximo de pessoas. Um homem procurava a sua esposa. Percebi rapidamente que ela infelizmente já não estava connosco... Tivemos também de isolar dois jovens que viram os seus próprios irmão afogarem-se.
Desta vez também, um jovem tinha sido baleado na semana anterior, uma delas não tinha passado longe dos pulmões. Felizmente, desta vez, não havia crianças a bordo – menos as que estavam na barriga das mães... Estou aliviada ao saber que vamos para Lampedusa, porque é o sitio que podemos alcançar o mais rápido possível.
Hoje, chegamos às 13h00. Os rostos ainda estavam marcados pela tristeza e a angústia passada. Mas finalmente alguns sorrisos apareciam. Se as pessoas que eles cruzarão pudessem os acolher delicadamente e com carinho. Eles sofreram tanto!
Para responder a uma pergunta feita: a maior parte dos migrantes que recebemos têm entre 15 e 25 anos. Alguns são mais velhos, outros mais jovens. Os jornalistas pedem autorização antes de tirar uma foto ou de recolher um testemunho. Tentamos ao máximo verificar isso e também que a presença dos jornalistas não seja muito pesada para os migrantes. Ao mesmo tempo, os jornalistas foram convidados para nos ajudar a testemunhar do que se passa realmente no Mediterrâneo.
Agora dirigimo-nos para Trapani, na Sicília, para descansar um pouco, porque alguns de nós ainda estão em estado de choque, principalmente aqueles que viram os migrantes afogarem-se e corpos sem vida. Confio os migrantes à vossas orações e aos vossos pensamentos. Queria também confiar-vos todos os corações endurecidos, para que se tornem mais suaves e mais atentos ao sofrimento dos outros.