Textos bíblicos com comentário
Março
Lembrai-vos, portanto, de que vós outrora - os gentios na carne, os chamados incircuncisos por aqueles que se chamavam circuncisos, com uma circuncisão praticada na carne - lembrai-vos de que nesse tempo estáveis sem Cristo, excluídos da cidadania de Israel e estranhos às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo. Mas em Cristo Jesus, vós, que outrora estáveis longe, agora, estais perto, pelo sangue de Cristo.Com efeito, Ele é a nossa paz, Ele que, dos dois povos, fez um só e destruiu o muro de separação, a inimizade: na sua carne, anulou a lei, que contém os mandamentos em forma de prescrições, para, a partir do judeu e do pagão, criar em si próprio um só homem novo, fazendo a paz, e para os reconciliar com Deus, num só Corpo, por meio da cruz, matando assim a inimizade. E, na sua vinda, anunciou a paz a vós que estáveis longe e paz àqueles que estavam perto. Porque, é por Ele que uns e outros, num só Espírito, temos acesso ao Pai.Portanto, já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus, edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus. É nele que toda a construção, bem ajustada, cresce para formar um templo santo, no Senhor. É nele que também vós sois integrados na construção, para formardes uma habitação de Deus, pelo Espírito.(Efésios 2,11-22)
O autor da Carta aos Efésios deseja descrever a nova relação que temos uns com os outros desde a morte e ressurreição de Jesus. Fá-lo usando vários termos retirados da vida política do mundo grego – estrangeiros, residentes, concidadãos, acesso livre, fundação. Estes termos técnicos, que parecem sobretudo destinados a um qualquer decreto ministerial que regule a obtenção de vistos, revestem-se de cores particularmente originais quando são utilizados para caracterizar o laço entre o crente e Cristo e o laço que os crentes mantêm uns com os outros. O recurso a vocabulário político não é, certamente, um acidente. O autor quer falar de uma nova forma de habitar o mundo, uma nova pertença, de uma «cidadania» que é mais fundamental do que aquela no nosso passaporte.
Esta mudança radical de identidade nasceu aos pés da cruz, onde «Cristo anunciou a paz», ou seja, derrubou o ódio. O que nos mantinha distantes de Deus, as nossas transgressões, é posto para trás da cruz. Deus vem colocar-se entre nós e a nossa própria violência. Ao aceitar morrer por amor e entrar na vida da eternidade, Jesus elimina a barreira final, aquela entre nós e Deus.
Ao mesmo tempo, a vulnerabilidade do Filho vem «anunciar a paz», derrubar o ódio, suprimindo a distância entre os povos, em particular entre o povo eleito e os outros. Pelo dom da vida de Jesus, todos nos tornamos membros uns dos outros. No fundo, a cruz assume o papel desempenhado por uma constituição num estado: oferece a base necessária a uma identidade comum.
O novo corpo pode, então, construir-se. Somos «concidadãos dos santos». A partir deste momento, o que nos define é o facto de recebermos parte do esplendor de Deus, da força, do absoluto de Deus, porque temos livre acesso a Si. Na política, apenas os poderosos podem aceder àqueles que detêm o poder. O poder atrai o poder. Nesta nova cidadania, temos acesso ao «poder» por este acontecimento que expressa de forma mais extrema a pobreza e a simplicidade de Deus: a cruz.
Assim, torna-se evidente que se dissipa a distância geográfica: «paz a vós que estáveis longe e paz àqueles que estavam perto.» Neste novo estado, sem fronteiras, «toda a construção, bem ajustada, cresce» para a reconciliação.
Dadas as identidades baseadas em conflitos nas nossas sociedades, o que podemos fazer para mostrar que outro tipo de «cidadania» é possível?
«Anunciar a paz»: de que forma compreendo esta expressão? A que me inspira na minha relação com os outros?