TAIZÉ

Basileia 2017

Meditações do irmão Alois

 
O irmão Alois vai falar aos jovens todos os dias do Encontro, no final da oração da noite. Os textos destas meditações serão publicados nesta página.

Irmão Alois, Basileia, Domingo, serão de 31 de Dezembro 2017

Acabámos de ouvir Jesus afirmar no Evangelho que ele é o bom pastor, que existem outras ovelhas, mas que há apenas um rebanho com apenas uma ovelha. Veio à terra não apenas para um pequeno grupo, mas para reunir toda a família humana. Daí advém a nossa esperança na paz para a humanidade. É com grande esperança que, esta noite, rezaremos pela paz.

É verdade que a paz está ameaçada e gostaria de recordar dois dos desafios maiores com os quais é confrontada actualmente a família humana.

O primeiro é aquele que nos é lançado pelas multidões de homens, de mulheres, de crianças, que por toda a terra são forçados a abandonar o seu local de origem. As razões que os obrigam a partir são diversas: pode ser a guerra e a insegurança, pode ser a pobreza extrema e a ausência de futuro, ou mesmo as alterações climáticas.

Na sua angústia, estas pessoas têm necessidade de solidariedade e, como o testemunhamos em Taizé, pode tornar-se nossos amigos. É como se Cristo nos convidasse a ir além dos nossos medos e dos nossos preconceitos, como se nos dissesse: «Sou o pastor de toda a humanidade. Morri também por eles, sejam ou não cristãos. Então, tu podes tornar-te amigo deles.»

O segundo desafio é-nos lançado pela nossa terra, também ela vulnerável. Escutemos o grito da terra. Perante os desastres ecológicos dos quais são particularmente vítimas as regiões mais pobres, os países ocidentais possuem uma responsabilidade histórica.

Ocorrem iniciativas múltiplas, a todas as escalas. Permanecem insuficientes. Em nome de todos, ouso dirigir este apelo aos responsáveis da política e da economia: os meios financeiros para as alterações necessárias existem. Então, que sejam orientados para a erradicação da pobreza e para cuidar do meio-ambiente!

Estes dois desafios que ameaçam a paz são imensos, mas não nos deixaremos desencorajar. Nestes dias, aproximámo-nos da fonte de uma alegria que nunca se esgota. Deixemos esta alegria jorrar nos nossos corações, e ela dará a cada um e a cada uma a coragem de se comprometer onde for possível, para dar a sua contribuição, ainda que modesta, à procura de soluções.

Para preparar a paz, gostaríamos de fazer crescer a fraternidade. Para isso, é essencial que nos abramos a outras culturas e mentalidades. Por vezes, isso pode conduzir-nos muito longe. Antes de partir para o Sudão do Sul e para o Sudão, estivemos, com dois dos meus irmãos, num outro local de África que também atravessou provas. Estivemos no Egipto, para um encontro de jovens.

Cem jovens chegaram lá vindos de toda a Europa, da América do Norte, do Médio Oriente. Foram acolhidos por cem jovens coptas ortodoxos do Cairo, de Alexandria e do Algo Egipto. Durante cinco dias, descobrimos a longa e rica tradição copta ortodoxa da Igreja do Egipto.

Em Taizé, ao longo do Verão, acolhemos já jovens cristãos árabes, coptas egípcios, católicos e ortodoxos do Líbano, da Jordânia, do Iraque, da Palestina. A sua estadia de três dias na nossa colina aproximou-nos do Médio Oriente. Transmitiram-nos a sua sede de paz. Gostaríamos de permanecer sempre próximos dos jovens cristãos árabes.

Faremos, daqui a alguns meses, uma outra peregrinação. Será demasiado longe para que sejamos numerosos, será uma simples visita, mas que permitirá aprofundar os laços com a Igreja Ortodoxa. Iremos juntarmo-nos aos Russos que se encontram reunidos esta noite na Arena. De 16 a 19 de Maio, com alguns dos meus irmãos e alguns jovens, iremos participar nas celebrações ortodoxas da Ascensão na longínqua Sibéria, em Kemerovo.

Fazer crescer a fraternidade é algo que poderá levar-nos muito longe, mas que começa à nossa volta, à nossa porta. De regresso a casa, ultrapassemos as nossas barreiras, partilhemos com os que pensam de forma diferente de nós, construamos pontes: entre religiões, entre regiões, entre países europeus, entre continentes.

Vamos junto dos mais vulneráveis. Escutemos, por exemplo, um sem abrigo contar a sua história, ou uma pessoa portadora de deficiência, um doente, um refugiado. E veremos os nossos corações abrirem-se, alargarem-se, tornarem-se mais humanos, e mesmo descobrir uma alegria.

Levemos de Basileia, então, estas últimas palavras: o ser humano é feito para a alegria e a alegria não tem por vocação ser conservada para si, mas para ser partilhada. A alegria que tem a sua fonte no amor de Deus, esta alegria que nunca se esgota, é o recurso secreto de um compromisso para os outros que nunca enfraquecerá.

Irmão Alois, Basileia, Sábado, serão de 30 de Dezembro 2017

Nos últimos dois dias, partilhei convosco vários relatos da visita que fiz, com um dos meus irmãos, aos mais pobres do Sudão do Sul e do Sudão, pois esta visita levantou em mim numerosas questões. No Evangelho, Jesus vem dizer-nos: «Felizes os pobres em Espírito, pois deles será o Reino dos Céus». O que deseja expressar com estas palavras?

No Sudão do Sul, num campo de refugiados, a coragem das mulheres emocionou-me. Uma delas contou como procurou ser criadora de reconciliação e de paz. A água é racionada e surgem disputas junto às bombas de água. Então, um grupo de mulheres organizou-se para garantir uma distribuição justa. Esta mulher dizia-me: «É ao partilhar a água e ultrapassando o ’cada um por si’ que construimos a paz».

Esta mulher compreendeu-o: a paz começa em nós mesmos, a fraternidade constrói-se ao nosso redor, a partir das nossas vidas concretas e quotidianas.

Nós, reunidos em torno de Cristo, sabemos que o Evangelho traz uma mensagem de fraternidade universal. A união que Cristo alcançou entre Deus e os humanos conduz a uma reconciliação de cada pessoa consigo mesma – a paz de coração -, uma reconciliação dos humanos entre si – a paz na terra -, e a uma reconciliação da família humana com a criação.

Muitos aspiram a que os cristãos sejam unidos, para que a mensagem de fraternidade deixe de ser obscurecida. Quando os cristãos estão separados, a mensagem do Evangelho perde a sua capacidade de irradiar. A nossa unidade fraternal pode ser como um sinal da unidade e da paz entre os humanos.

Eis porquê, cada vez que tenho oportunidade, pergunto e volto a perguntar: não chegou já o tempo de as Igrejas separadas ousarem colocarem-se sob um mesmo tecto sem esperar mais, mesmo antes que um acordo seja encontrado para todas as questões teológicas?

Como colocarmo-nos sob o mesmo tecto? Fazendo juntos tudo o que pode ser jeito em conjunto, estudo bíblico, trabalho social e pastoral, catequese. Não fazendo nada sem ter os outros em consideração. Ao ter, juntos, gestos de solidariedade perante à pobreza, bem como a todo o sofrimento, e para cuidar do meio-ambiente. Ao reunirmo-nos mais frequentemente na presença de Deus na escuta da Palavra, no silêncio e no louvor.

Neste espírito, que se manifesta aqui em Basileia e na região circundante há muito tempo, os cristãos de diversas Igrejas reúnem-se, protestantes, católicos, ortodoxos, para se prepararem para nos receber. Nós agradecemos-lhes terem-nos convidado. Agradecemos a todas as pessoas que abriram as suas portas para nos acolher tão calorosamente. Obrigado, também, às autoridades civis que ofereceram a sua colaboração.

De modo a avançar sempre rumo à unidade dos cristãos, gostaria de retomar uma questão que coloquei, em Maio, em Wittenberg, idade de Lutero, e que mencionei, também, recentemente em Genebra, cidade de Calvino.

Há um ano, ao visitar os Luteranos de Lund, na Suécia, na comemoração do 500º aniversário da Reforma, o Papa Francisco exprimiu numa oração palavras nunca antes formuladas por um Papa. Disse: «Espírito Santo, permite-nos reconhecer com alegria os dons que chegaram à Igreja com a Reforma.»

Tais palavras não convidam a uma reflexão, a uma resposta? Saberemos nós ter a generosidade de agradecer a Deus não só pelos dons que nos ofereceu, mas pelos dons dados aos outros e que poderemos receber deles? Seja qual for a confissão a que pertencemos, saberemos reconhecer os valores que Deus depositou nos outros?

A reconciliação entre Igrejas é um caminho rumo a uma realidade nova, cujos contornos são inesperados e ainda desconhecidos. Apoiemo-nos nesta palavra do profeta Isaías: «Vou levar os cegos por um caminho que não conhecem e guiá-los por carreiros que ignoram.» O Espírito Santo guiar-nos-á nos por carreiros que não conhecemos à partida.

Ao longo do ano de 2018, pediremos ao Espírito Santo que nos prepare a ser sempre, pelas nossas vidas, testemunhas de reconciliação e de paz. Para isso, continuaremos a nossa peregrinação de confiança através da terra. Irei agora indicar algumas etapas.

Em Taizé, os encontros de jovens continuarão cada semana, com dois momentos particulares: no mês de Julho, um fim-de-semana de amizade entre jovens cristãos e muçulmanos, quer permitirá ver o que une e o que é diferente: no mês de Agosto, uma semana de reflexão reservada aos jovens adultos de 18 a 35 anos, para procurar juntos as fontes da alegria.

Como disse no ano passado, teremos este ano o sétimo encontro internacional de jovens na Ásia, certamente aberta também a jovens de outros continentes. Todos serão bem-vindos. Terá lugar de 8 a 12 de Agosto.

Acontecerá na cidade de Hong Kong.

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Irmão Alois, Basileia, Sexta-feira, serão de 29 de Dezembro 2017

Ontem à noite, contei-vos que, em Outubro, com um dos meus irmãos, passei uma semana no Sudão do Sul e uma outra semana no Sudão. No regresso, pensava no nosso encontro e perguntava-me: como comunicar aos jovens reunidos em Basileia o grito de dor que exala da miséria, da violência, da fragilidade extrema que testemunhámos em África?

Perguntava-me ainda: O que fazer para que este grito seja ouvido, para que os que sofrem não tenham mais impressão de que o seu grito se perde no vazio?

O Sudão do Sul atravessa um momento de grande dificuldade, que provoca o pessimismo em muitos. Não possuem mais esperança. O país é vítima de uma inflação galopante, os salários estão em atraso há vários meses, a violência alastra-se e circulam muitas armas.

Na casa das irmãs de Madre Teresa, vi chegar mães que traziam ao colo os seus filhos sub-nutridos. Por vezes, uma menina de nove ou dez anos trazia o seu pequeno irmão. Para ir ao mercado vender algo, estas mães passam, com um enorme calor, dias inteiros no mercado carregando na cabeça a mercadoria e o bebé junto ao corpo envolto em pele de cabra.

Na semana seguinte, no Sudão, impressionou-me uma outra mulher, a mãe de Samir. Quem é Samir? Um dos jovens refugiados que acolhemos há dois anos. Chegou a Taizé após uma viagem repleta de provas e, pouco depois, de forma inesperada, sofreu uma crise cardíaca e morreu subitamente. Os outros jovens refugiados encarregaram-se do seu funeral com o imã da nossa região.

No Sudão, contei todos estes acontecimentos à sua mãe. A cada frase, ela respondia com um «Al hamdulillah, louvor a Deus». Explicou-me: «Era o meu único filho. O meu marido abandonou-me. Estou doente. Vendi a nossa casa para pagar a viagem de Samir». E esta mulher, muçulmana, acrescentou estas palavras que a Bíblia coloca na boca de Job: «O Senhor mo deu, o Senhor mo tirou. Bendito seja o nome do Senhor.»

Pareceu-me que, todos nós, poderíamos ver nesta mulher todas as mães do mundo que sofrem pelos seus filhos.

Estes relatos são tocantes. Contudo, também na Europa, por vezes perto de nós, existem situações graves, vividas por pessoas feridas pela vida. Pelo Evangelho que lemos esta noite, sabemos que, tornado homem, Jesus Cristo está unido a cada ser humano. Habita em cada pessoa, em particular nas mais abandonadas. O que fazemos aos mais pequenos, é a ele que o fazemos.

Gostaria, então, de partilhar convosco a minha experiência: quando escutamos de perto o grito de um ser ferido, quando olhamos nos olhos, quando ouvimos, quando tocamos os que sofrem, aproximarmo-nos de Jesus, pobre entre os pobres, que nos faz entrar numa maior intimidade com ele.

O encontro pessoal com os mais vulneráveis faz descobrir a dignidade do outro e permite receber o que transmitem mesmo os mais diminuídos. Não trazem eles uma contribuição insubstituível à construção de uma sociedade mais fraternal? Revelam-nos a nossa própria vulnerabilidade, tornando-nos mais humildes, mais humanos.

E, paradoxalmente, é dada uma alegria. Ainda que seja apenas uma centelha, é uma alegria verdadeira que os mais pobres partilham connosco.

Amanhã de manhã, nos pequenos grupos, perguntar-se-ão: como ouvir melhor o grito dos mais vulneráveis e dar-lhe resposta com as nossas vidas? Como escutar o que têm para nos comunicar?

Ajudam-nos a desligarmo-nos de problemas que não são essenciais e a alegrarmo-nos ao nos tornarmos mais simples, mais humanos. A sua coragem renova a nossa coragem.

Irmão Alois, Basileia, Quinta-feira, serão de 28 de Dezembro 2017

A cada um e cada uma de vós, que vieram de toda a Europa – e, alguns, de ainda mais longe – gostaria de dizer: Bem-vindos a Basileia! Bem-vindos a esta cidade tão acolhedora!

Gostaria de dar um grande agradecimento aos que nos acolhem, não apenas na cidade, mas em toda a região envolvente, na Suíça, em França, na Alemanha.

Pela primeira vez, um dos encontros europeus realiza-se na intersecção de três países e, mais, na junção de duas línguas. Basileia é uma cidade europeia. Ao vir aqui, desejaríamos expressar que, na construção da Europa, não é possível regredir.

Basileia é uma cidade marcada pela Reforma protestante do século XVI e local onde hoje têm lugar várias iniciativas ecuménicas. Ao nos reunirmos aqui, é também este caminho rumo à unidade dos cristãos que desejaríamos valorizar.

É uma grande alegria estarmos juntos durante cinco dias, tão diversos nas nossas origens, nas nossas culturas, nas nossas confissões. A nossa alegria é grande. Contudo, todos almejamos a uma alegria que dura mais do que cinco dias, uma alegria que nunca se esgota.

Uma alegria que nunca se esgota: no caderno do encontro que receberam à chegada, leram que este será o tema da nossa procura durante este encontro e ao longo de todo o próximo ano.
«Alegra-te, rejubila com todo o teu coração»: escutámos este convite no texto da Bíblia que lemos há pouco.

Recentemente, no mês de Outubro, pensei ser importante ir, com um dos meus irmãos, passar uma semana no Sudão do Sul, seguida de uma semana no Sudão, a fim de compreender melhor a situação destes dois países e de rezar junto dos que estão entre os mais vulneráveis do nosso tempo.

No regresso, interroguei-me: tantas pessoas, não apenas em África, mas também próximo de nós, sofrem tantas provas, exclusão, violência, fome, doenças, exílio, catástrofes naturais. É possível falar de alegria, esta alegria que é uma das três realidades – com a simplicidade e a misericórdia – que o irmão Roger colocou no coração da vida da nossa comunidade de Taizé?

Então, pensei nas crianças que encontrámos nestes campos de refugiados em África. Muito cedo, assumem uma parte importante das tarefas quotidianas, mas, com grande naturalidade, acolheram-nos com uma alegria extraordinária. Uma tal experiência não está limitada a África, é possível em qualquer lugar do mundo.

Em África, vimos que, nestes locais onde tantas histórias dramáticas se concentram, a presença de crianças faz explodir a vida. A sua alegria de inocentes é quebrada demasiado cedo, quando ganham consciência das provas injustas que lhes são impostas. Contudo, a sua alegria é um raio de luz com o qual gostaríamos de ser iluminados. Onde se encontra a fonte da sua alegria?

Amanhã de manhã, abordarão a primeira das quatro propostas que vos são feitas para o ano de 2018. Tem por título: «Procurar as fontes da alegria». E poderão pensar no texto bíblico que lemos neste serão: convida à alegria ao mesmo tempo que revela a sua fonte, dizendo: «O Senhor teu Deus está no meio de ti».

A alegria do Evangelho vem da confiança de que somos amados por Deus, amados com um amor sem limites que oferece a cada um e cada uma de nós. Se, ao deixarem Basileia, levarem apenas a certeza deste amor infinito de Deus, fonte de alegria, então terão compreendido o essencial.

Ao longo da oração do serão de amanhã, tentarei indicar como a alegria que resulta do amor de Deus não é uma escapatória aos problemas actuais. Pelo contrário, torna-nos ainda mais sensíveis às angústias dos outros.

Última actualização: 31 de Dezembro de 2017