A aventura começou no final de Maio, quando jovens da paróquia da Lapinha vieram a Alagoinhas – uma cidade a 120 km de Salvador, onde vivem alguns irmãos de Taizé há cerca de quarenta anos. Já tinham ouvido falar dos encontros que os irmãos organizaram em algumas cidades do país há alguns anos, e foi-lhes proposto organizar um encontro similar, aberto a todos os que desejassem vir à sua paróquia.
Os irmãos, apenas dois na fraternidade nestes últimos meses, acompanharam apenas de longe a preparação, puderam apenas visitar duas vezes os jovens da equipa de preparação, que, por sua vez, pôde vir duas vezes a Alagoinhas, para falar do avanço da preparação e ganhar coragem para seguir. Para os jovens pobres, numa paróquia popular, existiam muitos desafios a enfrentar. Em alguns momentos, perante dificuldades materiais, quiseram abandonar tudo; noutros momentos, não conseguiam entender-se, é também uma realidade. Contudo, com tudo o que atravessaram, e no final destes quatro meses de preparação, o seu caminho de confiança, perseverança e de fé emergiu como uma experiência extremamente forte.
Karine, 19 anos, vive no bairro dos irmãos em Alagoinhas, e conhece bem a fraternidade. É de origem evangélica; durante quatro meses, efectuou visitas em outras cidades da Bahia para lançar convites para a jornada, e organizou a viagem dos jovens da diocese de Alagoinhas. Conta:
«Ao longo destes quatro dias, vivemos o inesperado, tudo estava preparado para nós. Algumas coisas não aconteceram como esperava, mas fiquei feliz por ver que os que ali estavam se sentiam felizes.»Ser acolhidos com tanto amor e afecto é inesquecível, e é verdadeiramente gratificante partilhar, divertir-se, permanecer em silêncio, comunicar com pessoas que nunca vimos antes e que, a partir de agora, fazem parte da minha história.Ainda não sei o que me tocou verdadeiramente, mas posso dizer que este encontro me fez mudar muito. Espero poder viver outros. Agora, posso dizer que sei o que é «peregrinação de confiança». E a peregrinação não termina hoje, estes quatro dias foram apenas o começo de uma grande peregrinação que temos diante de nós.»
Um irmão escreve após o encontro:
Cheguei a Salvador quatro dias antes do encontro; foi uma ocasião para conhecer um pouco da paróquia que nos acolheu e os jovens que prepararam a jornada; uma paróquia muito popular, situada na velha cidade de Salvador, mesmo ao lado do porto. A paróquia é muito viva, todas as gerações estão representadas, e praticamente todos os serões um grupo reúne-se na igreja. Ficámos alojados na casa paroquial, e a dezena de jovens da equipa de preparação vieram habitar connosco durante estes dias.
O que me admirou foi a forma como os jovens eram discreta mas fielmente acompanhados pelos adultos. Estes nunca se colocaram na linha da frente, colocaram-se ao serviço dos jovens. Não dizendo-lhes como era necessário actuar, mas, quando tinham necessidade da sua ajuda, estavam ali. Os adultos trouxeram todas as mordomias e, como tudo era cozinhado, estas pessoas trabalhavam, por vezes das seis horas da manhã até à meia-noite! Outros amigos fiéis trouxeram discretamente a ajuda indispensável à realização de um tal encontro.
Durante o encontro, todos os jovens foram alojados num centro escolar; surpreendeu-me descobrir este facto sabendo como as famílias são acolhedoras, mas compreendo que, devido à situação de insegurança e de violência que reina em muitos dos bairros de Salvador, não era possível assegurar o regresso dos jovens a casa das famílias no final do dia.
Para as cinco centenas de jovens vindos de toda a Bahia, foi uma aventura organizar a viagem. Não se trata apenas de uma questão de economizar: quando não se possui nada, não se pode economizar nada; foi necessário ganhar dinheiro. Em Alagoinhas, durante algumas semanas, os jovens prepararam salada de gruta, que vendiam à saída da missa, para poder pagar a estadia.
A vigília do serão de sábado começou na Igreja da Trindade, próxima da paróquia, ao lado do porto. Nesta grande igreja barroca impessoal e muito degradada, um francês, Eric, que partilha há alguns anos a vida dos sem-abrigo em Salvador, obteve há quinze anos a autorização da diocese para acolher as pessoas da rua. Hoje, em redor de algumas pessoas que escutaram este apelo a partilhar a sua vida e a ajudá-los neste caminho, a comunidade da Trindade reúne homens e mulheres que atravessaram a noite da rua, com tudo o que isso implica, como consequências para a sua própria vida. Procuram acolher outros irmãos e irmãos que não descobriram ainda o convite evangélico de Jesus «Levanta-te e anda!», ou que o tentaram fazer mas voltaram a cair na droga e no álcool. A maioria de entre eles é alojada nas três naves da igreja e dorme sobre grandes pedaços de cartão, que recolhem todas as manhãs, colocando-os nas laterais das naves... Rezam três vezes por dia, largamente inspirados pela oração de Taizé.
Chegar era uma aventura para os jovens: era necessário descer por um caminho íngreme, ao longo de um esgoto que transborda, atravessar o local de um mercado de peixe, com seus fortes odores, passar debaixo de uma onde os sem-abrigo se começavam a instalar para a noite, para chegar à igreja. Os jovens tinham os olhos um pouco estupefactos devido a tudo aquilo que tinham atravessado e por entrarem nesta igreja um pouco particular no seu aspecto, visto ser ali que todos dormem. No momento de acender as velas para a celebração da ressurreição, foram os idosos da rua que carregaram a luz, e foi com esta luz que os jovens partiram em procissão para continuar a vigília na paróquia. Esta vigília marcou muito os jovens que frequentemente conhecem situações muito difíceis.
Na manhã de domingo, o bispo auxiliar veio celebrar a Eucaristia para os jovens reunidos, onde se integrava um grande grupo da sua diocese de origem. No final, manifestou o seu desejo de que mais paróquias de Salvador possam viver a experiência de um tal encontro. Estava reconhecido por terem confiado nos jovens e que lhes tenha sido permitido viver esta experiência forte de fé e de confiança.
Há urgência; no Brasil, há uma verdadeira crise de sentido e de referências, para os jovens em particular, e esta crise é ainda mais forte com o marasmo económico e político que o país atravessa há dois anos. Este país, que atravessou durante anos uma situação extremamente difícil, que de seguida se encontrou entre os grandes países emergentes, vê-se novamente atirado para a dificuldade, em grande parte devido aos dirigentes em que acreditaram e que se revelaram tão corruptos como os outros. Isto cria um desespero muito forte junto dos jovens, e é, provavelmente, uma das causas do crescimento da violência que toca o Brasil.
Émile, que preparou a jornada durante quatro meses, podia escrever alguns dias mais tarde:
«Que alegria poder acolher os jovens vindos e de ter contribuído para lhes permitir serem tocados pelo amor de Deus e viver uma profunda experiência de oração!».