Este domingo de manhã não havia nada de extraordinário. Apenas uma festa, à qual chamámos nos últimos três anos «Festa de Jesus», dois dias antes da celebração da Transfiguração. Nada de extraordinário: não havia estrelas de show-business, nem personalidades políticas, nem champanhe, nem sequer grandes meios... Nada de extraordinário e no entanto…
Às seis horas da manhã chegaram os primeiros organizadores. A maior parte têm entre 6 e 18 anos, habitam o bairro ao pé da fraternidade, e vêm todos os dias à «brincadeira», isto é a uma hora de jogos ou, ao sábado, para a catequese. Esta manhã, cada um vem saber a sua missão para o dia e quais os cartazes que vão trazer ao pescoço. Neles é possível ler: «Bem-vindo!», «Querem um copo de água?» ou ainda: «Posso ajudar-vos?» Estas crianças estão aqui para levar a sua ajuda a todos os convidados que vão participar na festa. Estas mesmas crianças coloriram durante mais de duas semanas os convites que foram enviados às pessoas da região. A Festa de Jesus é um assunto sério e os jovens do bairro estão a prepará-la há mais de um mês. Um fim de semana de retiro permitiu que os quarenta jovens do grupo de preparação para o Crisma organizassem tudo e que este acontecimento tivesse um sentido. Um outro grupo de jovens do bairro está encarregado de distribuir a refeição e prepara-se para isso há algumas semanas. Acima de tudo, é essencial que os convidados não se sintam perdidos ou desapontados. Para a maior parte dos convidados, a Festa de Jesus é a única festa em que participam ao longo do ano.
Mas, quem são estes convidados? Deficientes, surdos, cegos, idosos esquecidos no fundo das suas casas ou dos seus bairros, todos são convidados de honra neste dia pouco especial. Na véspera, os que habitam um pouco mais longe chegam para passar a noite. Um autocarro deixa por volta das seis da tarde mais de vinte deficientes de um dos hospitais de Salvador, a 100 Km de Alagoinhas. O tom da festa está dado. Os sorrisos já iluminam as faces destes jovens deficientes físicos e mentais. Um dos seus acompanhantes recorda: «Na véspera da Festa de Jesus, todos os jovens estavam muito excitados. Depois da refeição e da oração com os irmãos, tentámos ir dormir, mas dois dos jovens continuaram a conversar até tarde. Para que eles pudessem aproveitar a festa do dia seguinte, fui obrigado a levantar-me e a dar-lhes um banho, às quatro da manhã, para os acalmar!»
Todos os outros convidados chegaram no dia seguinte para a missa das oito da manhã. Foram organizados autocarros em toda a região para que cada um tivesse meio de transporte. E todos foram acolhidos pelas crianças e pelos jovens que se ofereceram para os ajudar, para lhes dar um copo de água ou para levar aqueles que tinham dificuldade em andar. Estava um dia de sol e todos tinham a sensação de que a festa ia ser um êxito.
A missa é animada com ritmo e dinamismo por um grupo de responsáveis pela Pastoral das crianças. As filas de cadeiras de rodas animam-se com as palmas. Estamos longe das orações silenciosas e meditativas que normalmente enchem a igreja. Alguns momentos fortes marcam a celebração. A leitura em linguagem gestual e em braille por um dos alunos da escola parece que nunca mais acaba; o cortejo das oferendas com jovens deficientes e crianças, o coro dos cegos, o teatro dos surdos seguido por uma das coreografias do seu grupo: As estrelas do silêncio.
Jovens formam cadeias humanas para limitar as entradas porque a igreja da fraternidade não tem espaço para toda a gente. A multidão e o calor não parecem, no entanto, ser um obstáculo para a missa e cada um é convidado a participar com a sua deficiência e a sua alegria de viver e de acreditar. Depois da missa e antes de começarem as actuações são oferecidos copos de café ou de sumo de frutas com biscoitos. O hino da Festa de Jesus, cantado por crianças da «brincadeira» marca o princípio. Mais de trinta grupos de artistas vão suceder-se ao longo de todo o dia. Não são personalidades conhecidas, mas os artistas que vão subindo ao palco têm talento. O grupo de «capoeira» de jovens deficientes é particularmente aplaudido.
Daiane, aluna da escola Emaús que acolhe as crianças com grandes dificuldades de comportamento, pergunta a um dos irmãos se também ela pode participar. Sem lhe perguntar o que é que ela vai cantar, passa-lhe o microfone. Com uma segurança digna de uma cantora profissional, ela entoa com a sua pequena voz a canção que todos os alunos da sua turma cantam de manhã antes do pequeno-almoço. Todos a acompanham a cantar e com a linguagem gestual. Momento de emoção e de alegria. As quadrilhas, danças típicas do São João, fazem a sua aparição na festa e todos vêem, maravilhados, os grupos de jovens que estão no palco. Um dos artistas, já presente em anos anteriores, regressa com o seu acordeão. Trata-se de um senhor idoso e cego que conduz toda a multidão com o seu instrumento: é muito difícil pará-lo!
Mais de duas mil pessoas participam na refeição que interrompe durante um instante as representações. Os jovens organizadores entram em cena com marmitas de arroz, salsichas e taças de sumo de frutas. A distribuição dos pratos dura uma hora e meia e o ritmo não permite que os jovens respirem senão quando tiverem a certeza de que todos estão saciados. Os convidados trouxeram frutas ou várias comidas o que permite que a oferta seja abundante. Todos mostram boa vontade, apesar da falta de espaço e da extensão das filas. Os sorrisos não desaparecem. Os jovens estão contentes por puderem ser úteis.
Durante a tarde, retomam-se as actuações e os testemunhos: o de uma mãe de um menino surdo que aprendeu linguagem gestual e dá cursos aos que desejam aprender; o da presidente da associação de cegos de Alagoinhas, aluno da escola e ele próprio cego; ou de Shirley, professora de Igor, uma criança cega e surda de apenas cinco anos. Estes testemunhos mostram a força da vida e o desejo de ultrapassar as deficiências. Lições de vida, de esperança e de coragem que nos deixam sem voz.
Depois da partida dos convidados, as crianças e os jovens sentam-se à mesa para fazerem o balanço. Os sorrisos continuam a iluminar as caras, apesar da fadiga. Os «parking-boys», que habitualmente trabalham no centro da cidade para sustentarem as famílias, passaram o seu dia a guardar os carros, desta vez gratuitamente. Outros passaram o dia a ajudar as pessoas a deslocarem-se; outros ainda tinham a tarefa ingrata de indicar durante todo o dia o caminho para as casas de banho e de ter atenção às filas. Mas ninguém se lamenta, todos têm a cabeça cheia de histórias tocantes, engraçadas e muito simples.
A Festa de Jesus resume-se talvez a estes sorrisos: os dos convidados e também os dos que ajudaram a torná-la bela e um êxito.
Este domingo de manhã, não havia nada de extraordinário, mas Jesus estava realmente no centro da festa...