TAIZÉ

Passa-se por Taizé como se passa perto de uma fonte

Jean-Paul II

 

Dia 5 de Outubro de 2016 fez trinta anos que o Papa João Paulo II visitou Taizé. Encontra-se aqui publicado um relato desta visita.


O irmão Roger encontrou Karol Wojtyla, o futuro Papa João Paulo II, em 1962, durante o Concílio Vaticano II, quando este era bispo auxiliar de Cracóvia.

Como arcebispo de Cracóvia, D. Wojtyla foi duas vezes a Taizé, em 1964 e em 1968. Eleito Papa em 1978, João Paulo II recebeu todos os anos o irmão Roger em audiência privada. Acolheu em Roma os milhares de jovens que participaram nos três Encontros Europeus de fim de ano. Durante uma das suas viagens a França, o Papa passou por Taizé em 1986.

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João Paulo II recebia-me todos os anos, em audiência privada, e por vezes eu pensava nas provações que atravessou durante a sua vida: na sua infância perdeu a mãe, durante a juventude perdeu o pai e o único irmão. Eu dizia-me a mim mesmo: procura uma palavra que alegre e até console o seu coração, falando-lhe da esperança que nós encontramos em muitos jovens e da confiança que a nossa comunidade deposita nele. (Irmão Roger)

A visita de João Paulo II a Taizé

O Papa João Paulo II decidiu fazer uma paragem em Taizé durante a sua viagem a França. Estava desde a véspera em Lyon e também se devia deslocar a Paray-le-Monial, Ars e Annecy.

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Puseram-se tendas em frente da Igreja da Reconciliação. Chegaram sete mil jovens. Durante toda a noite, alguns deles revezaram-se numa oração contínua, silenciosa, que se prolongou até de manhã cedo. Às 8:30, depois de terem cantado muito tempo com os jovens, os irmãos saíram da igreja para acolherem o Papa. Um nevoeiro espesso cobria toda a região. Os helicópteros tiveram de ficar no hangar. O Papa veio de Lyon num carro normal.

Depois de entrar na Igreja da Reconciliação, João Paulo II sentou-se numa cadeira de madeira e palha. O irmão Roger, rodeado de algumas crianças, dirigiu-lhe umas breves palavras de boas-vindas. De seguida, o Papa falou aos jovens. Explicou-lhes por que razão veio a Taizé e o que a Igreja espera deles:

A Igreja precisa do vosso entusiasmo

«(…) Como vós, peregrinos e amigos da comunidade, o Papa está só de passagem. Mas passa-se por Taizé como se passa perto de uma fonte. O viajante pára, mata a sede e continua o seu caminho. Os irmãos da comunidade, como sabeis, não querem deter-vos. Querem, na oração e no silêncio, permitir-vos que bebais a água viva prometida por Cristo, que conheçais a sua alegria, que reconheçais a sua presença, que respondais ao seu chamamento, e depois que torneis a partir para dar testemunho do seu amor e servir os vossos irmãos nas vossas paróquias, nas vossas cidades e aldeias, nas vossas escolas, nas vossas universidades e em todos os vossos locais de trabalho.

Hoje em dia, em todas as Igrejas e comunidades cristãs e até entre os mais altos responsáveis políticos do mundo, a comunidade de Taizé é conhecida pela confiança, sempre cheia de esperança, que deposita nos jovens. É sobretudo porque partilho dessa confiança e dessa esperança que estou aqui esta manhã.

Caros jovens, para levar ao mundo a alegre notícia do Evangelho, a Igreja precisa do vosso entusiasmo e da vossa generosidade. Sabeis que pode acontecer que os mais velhos, depois da marcha difícil ou das dificuldades que enfrentaram, sejam tomados pelo medo ou pelo cansaço e deixem enfraquecer o entusiasmo próprio de toda a vocação cristã. Também pode acontecer que as instituições, por causa da rotina ou das deficiências dos seus membros, já não estejam suficientemente ao serviço da mensagem evangélica. A Igreja tem então necessidade do testemunho da vossa esperança e do vosso ardor para melhor cumprir a sua missão.

Não vos contenteis com a crítica passiva ou esperando que as pessoas ou as instituições fiquem melhores. Ide até às paróquias, às capelanias, aos diversos movimentos e comunidades, e levai-lhes com paciência a força da vossa juventude e os talentos que haveis recebido. Levai o vosso apoio confiante aos ministros da Igreja; eles são os vossos servos em nome de Jesus, e por isso precisais deles. A Igreja precisa da vossa presença e da vossa participação. Se permanecerdes no interior da Igreja, sereis por vezes, como é óbvio, feridos pelas divisões, pelas tensões internas e pelas misérias dos seus membros, mas recebereis de Cristo, que é a sua cabeça, a sua Palavra de verdade, a sua própria Vida, o Sopro do amor que vos permitirá amá-lo fielmente e sentir-vos realizados ao arriscar a vossa vida num alegre dom aos outros. (…)»

Depois de ter falado, o Papa ajoelhou-se para alguns instantes de oração no meio dos irmãos. Todos cantaram: «Laudate omnes gentes, laudate Dominum» («Louvai o Senhor todos os povos da terra»). Enquanto os jovens continuavam a cantar na igreja e nas tendas, o Papa desceu para uma sala contínua onde se ia encontrar com os irmãos. Saudou-os um a um e depois falou à comunidade.

Tornaste-vos ainda mais jovens

O Papa lembrou os irmãos que conhecia pessoalmente a comunidade desde há muito tempo: «Visitei-vos quando éreis mais jovens. Mas hoje tornaste-vos ainda mais jovens.» Lembrava-se das viagens do irmão Roger à Polónia e das suas palavras sobre a Virgem Maria e sobre o ministério do pastor universal. João Paulo II disse então que «se sentia evidentemente obrigado, não exteriormente mas no seu coração, a vir ver-vos.» Fazendo referência aos dois Encontros Europeus de Jovens que já se realizaram em Roma, o Papa acrescenta: «Roma está sempre aberta à vossa visita com os jovens.»

Em seguida, o Papa deixou à comunidade uma mensagem escrita que comoveu muito os irmãos. O irmão Roger incluiu depois esta mensagem no livro As Fontes de Taizé, que resume as intuições essenciais da vida da comunidade.

«Essa pequena Primavera!»

Caros irmãos, na intimidade tão familiar deste breve encontro, eu gostaria de vos expressar o meu afecto e a minha confiança com estas simples palavras, pelas quais o Papa João XXIII, que tanto vos amava, saudou um dia o irmão Roger: «Ah, Taizé, essa pequena Primavera!»

O meu desejo é que o Senhor vos guarde como uma Primavera que desponta e que ele vos guarde pequenos, na alegria evangélica e na transparência do amor fraterno.

Cada um de vós veio aqui para viver na misericórdia de Deus e na comunidade dos irmãos. Consagrando-vos a Cristo com todo o vosso ser, por amor a ele, encontrastes uma e outra.

Mas mais ainda, sem o ter procurado, vistes chegar até vós, aos milhares, jovens vindos de todo o mundo, atraídos pela vossa oração e pela vossa vida comunitária. Como não pensar que estes jovens são o dom e o meio que Deus vos oferece para vos estimular a permanecer juntos, na alegria e na frescura de uma entrega, como uma Primavera para todos os que buscam a vida verdadeira?

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Nos vossos dias, o trabalho, o repouso, a oração, são vivificado pela Palavra de Deus que se apodera de vós, vos guarda pequenos, isto é filhos do Pai celeste, irmãos e servos de todos na alegria das Bem-aventuranças.

Não esqueço: na sua vocação única, original e até, em certo sentido, provisória, a vossa comunidade pode suscitar a admiração e encontrar a incompreensão e a dúvida. Mas, por causa da vossa paixão pela reconciliação dos cristãos numa comunhão plena, por causa do vosso amor pela Igreja, estou certo de que sabereis continuar a estar disponíveis à vontade do Senhor.

Escutando as críticas ou as sugestões dos cristãos das diferentes Igrejas e comunidades cristãs para reter o que é bom, permanecendo em diálogo com todos, mas não hesitando em expressar as vossas expectativas e os vossos projectos, não decepcionareis os jovens e contribuireis para que nunca esmoreça o esforço desejado por Cristo para conseguir reencontrar a unidade visível do seu Corpo, na plena comunhão de uma mesma fé.

Vós sabeis o quanto, pela minha parte, considero o ecumenismo como uma necessidade que me compete, uma prioridade pastoral no meu ministério, para o qual conto com a vossa oração.

Querendo ser vós mesmos uma «parábola de comunidade», ajudareis todos os que encontrardes a serem fiéis à sua pertença eclesial, que é o fruto da sua educação e escolha de consciência, mas também a entrar sempre mais profundamente no mistério de comunhão que é a Igreja no desígnio de Deus.

Pelo dom que concede à sua Igreja, Cristo liberta, com efeito, em cada cristão as forças do amor e dá-lhe um coração universal de artesão de justiça e de paz, capaz de unir à contemplação uma luta evangélica para a libertação integral do homem, de todo o homem e do homem todo.

Caros irmãos, agradeço-vos por me terdes convidado e por assim me terdes dado a oportunidade de voltar a Taizé. Que o Senhor vos abençoe e vos guarde na sua paz e no seu amor!


Chegou a hora da partida. João Paulo II saiu, aproximou-se do carro, depois decidiu de forma imprevista voltar à igreja a fim de saudar os jovens uma última vez. «Devo confessar-vos que vos deixo», diz-lhes o Papa. «E com tristeza. Mas o Papa tem de obedecer! Tem muitos superiores!» Houve muitos risos, logo seguidos por aplausos, e os cânticos recomeçaram, acompanhando a partida do Papa.

Última actualização: 5 de Outubro de 2016