«O prior de Taizé era habitado por um desejo de reconciliação que tocava o mais profundo da sua alma e que o levava a abrir brechas.»
No dia 16 de Agosto de 2006, ao dar um golpe ao irmão Roger, que rezava com os seus irmãos e com milhares de jovens, a violência absurda deu um golpe a Taizé no coração da sua vocação, nessa igreja cujo próprio nome recorda esta vocação: a igreja da Reconciliação.
«Na minha juventude, tinha escrito o irmão Roger, admirava-me ao ver cristãos que, apesar de viverem de um Deus de amor, gastavam tantas energias a justificar as suas separações. Então disse comigo mesmo que era essencial criar uma comunidade onde nos procurássemos compreender e reconciliar sempre e, através disso, tornássemos visível uma pequena parábola de comunhão.» Conhecemos o que se seguiu: atraídos pela simplicidade da oração e da vida da Comunidade, tocados pela confiança dos irmãos, dezenas de milhares de jovens vão todos os anos a Taizé colocar as suas questões, falar dos seus sofrimentos, partilhar a sua esperança, descobrir que Cristo os ama, aprender a viver na comunhão da Igreja e a ser artesãos de paz.
Desta forma, a Comunidade e os jovens procuram juntos manifestar a reconciliação a que Cristo nos chama, entre cristãos e com todos os nossos irmãos humanos. Os irmãos não ignoram os laboriosos diálogos teológicos nem os encontros oficiais, e muitas vezes significativos, entre os responsáveis da Igreja, mas propõem em primeiro lugar a Boa-Nova aos jovens e os meios para eles a viverem numa experiência simples.
O irmão Roger era habitado por um desejo de reconciliação que tocava o mais profundo da sua alma e o levava a abrir brechas. Num percurso pessoal discreto, ele partilhava humildemente esta experiência e esta convicção: «Encontrei a minha própria identidade de cristão reconciliando em mim mesmo a fé das minhas origens com o mistério da fé católica, sem ruptura de comunhão com ninguém.» Alguns teólogos franziram então o sobrolho, outros disseram que o irmão Roger não tinha pensamento teológico. Certos responsáveis da Igreja reclamaram uma identidade eclesial oficial e, segundo eles, mais precisa.
O irmão Roger amava todo o Corpo de Cristo e disse-o com toda a sua vida. Sem renegar as suas origens, sem se opor a ninguém, quis integrar e reconciliar nele tudo o que o único Senhor dá nas igrejas, que no entanto ainda se encontram separadas. Reconhecendo a necessidade do ministério de comunhão universal do Papa, também aderiu à fé e à prática eucarísticas da Igreja Católica e vivia simultaneamente das riquezas que o Senhor atribuiu às Igrejas Ortodoxas e Protestantes. Apesar de tensões e sofrimento, vivia a reconciliação das Igrejas em todo o seu ser. Será suficiente tomarmos nota da sua experiência sem julgamentos e depois dizermos que se trata de uma excepção, procurando razões para demonstrar que não se pode transpor?
Será que aceitaremos pelo menos deixar-nos interpelar? Aceitaremos pelo menos perguntar-nos se esta «excepção» não terá por vocação tornar-se um dia menos excepcional e abrir caminho a muitas outras pessoas? Ouvindo o irmão Roger, podemos lembra-nos que as nossas separações se opõem à vontade de Cristo, que o ecumenismo é uma partilha de dons, que precisamos uns dos outros, que a reconciliação não é uma simples coexistência pacífica, mas confiança, enriquecimento mútuo e colaboração. Talvez então possamos ajudar as nossas Igrejas a estar menos petrificadas na actual necessidade de afirmação das suas identidades. Falo em nome pessoal, pois os irmãos da Comunidade nunca quiseram dar lições a ninguém e ainda menos ser mestres espirituais, mesmo no que diz respeito ao ecumenismo. Quando os visitou em 1986, João Paulo II disse-lhes que a vocação da Comunidade é «em certo sentido, provisória». No seu interessante livro sobre Taizé, o professor Olivier Clément falou de um «estado de fundação contínua».
A morte brutal do irmão Roger, há um ano, no coração da vocação de Taizé, inscreveu-se nesta «dinâmica do provisório». Pela voz do seu novo prior, os irmãos de Taizé dizem-nos que não se consideram como os únicos actores desta dinâmica: «Somos pobres que precisam da comunhão da Igreja para avançar na fé.» O irmão Alois e os seus irmãos continuam a avançar no caminho iniciado pelo irmão Roger. Já vivem algo da Igreja visivelmente una e motivam os jovens a ir juntos às fontes da fé.
Depois de um artigo publicado no jornal Le Monde de 6 de Setembro de 2006, D. Daucourt respondeu à afirmação que dizia que o irmão Roger se tinha convertido ao catolicismo.
O irmão Roger ter-se-ia convertido ao catolicismo? Os papas e os bispos de Autun tê-lo-iam sabido e não teriam dito nada sobre isso? (Le Monde de 06/09/2006.) Nos seus documentos oficiais, para as pessoas já baptizadas, a Igreja Católica não fala de conversão ao catolicismo, mas de admissão à plena comunhão na Igreja Católica. São possíveis várias formas para realizar este passo, mas em todos os casos isso implica um documento escrito e assinado. Não existe nenhum documento deste género respeitante ao irmão Roger. Ele reconhecia, com todos os seus irmãos, o ministério de comunhão universal do Papa. Ele partilhava a fé católica no ministério e na Eucaristia. Ele venerava a Virgem Maria. Ele quis viver isto sem ruptura com quem quer que fosse. Era a posição que ele procurava manter (não sem tensões interiores), na esperança de uma próxima restauração da unidade visível de todos os cristãos. Podemos apreciar ou contestar esta posição, mas como podemos dar a entender que o irmão Roger teria feito batota escondendo uma conversão ao catolicismo no sentido em que habitualmente a compreendemos?
O irmão Roger recebeu a comunhão das mãos de João Paulo II e do Cardeal Ratzinger? Há mais de trinta anos que a tinha recebido do Cardeal Wojtyla em Cracóvia e do bispo de Autun. Não há nisso nada de extraordinário. O direito da Igreja Católica confere a cada bispo a responsabilidade de acolher na Eucaristia, regularmente ou excepcionalmente, um novo baptizado ou um baptizado proveniente de outra Igreja. Sendo um amigo próximo de Taizé desde há 40 anos, tendo estado em contacto com D. Armand Le Bourgeois por questões ecuménicas desde o início do seu episcopado e tendo tido no Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos, durante sete anos, a responsabilidade de acompanhar as relações entre o Vaticano e Taizé, pude constatar que D. Le Bourgeois, os Papas Paulo VI e João Paulo II e os Cardeais Ratzinger e Kasper reconheceram um caracter objectivo e público na comunhão de fé que o irmão Roger vivia com a Igreja Católica. Respeitando o caminho espiritual deste último, eles não lhe pediram mais nada, mas continuaram os contactos e um diálogo regulares com ele e com a sua comunidade.
Como se pode falar de «enigma» (Le Monde de 6 de Setembro de 2006) e ainda por cima pretender resolvê-lo, com base em informações de Yves Chiron (cf. a sua carta de informação Aletheia n.º 95 de 01.08.2006), um historiador que emite hipóteses? Ele não sabe interpretar os testemunhos que recebeu e ignora quer a personalidade do irmão Roger quer a história de Taizé e as suas relações com as Igrejas. D. Raymond Séguy fala de «ambiguidade» porque o percurso do irmão Roger o questionava. Durante o seu episcopado em Autun respeitou-o, tal como o respeitaram em Roma.
O irmão Roger indicou um caminho e abriu portas, a milhões de jovens e de adultos, para que o ecumenismo seja em primeiro lugar uma partilha de dons. Daqueles que recusam deixar-se interrogar pela sua posição original, exigente e desconcertante, ou que a contestam, temos mesmo assim o direito de esperar que a conheçam com exactidão.
7 de Setembro de 2006
+ Gérard DAUCOURT
Bispo de Nanterre
Membro do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos