Sexta-feira, 15 de Abril
Hoje é o último dia da Grande Quaresma para os Ortodoxos. O fim-de-semana, com as festas de Lázaro, no sábado, e a Entrada do Senhor em Jerusalém, no domingo, permitem começar a saborear a celebração da Páscoa. Hoje de manhã, participámos na liturgia final das Vésperas das Oferendas pré-santificadas, seguida das matinas e depois de uma liturgia mais curta com a distribuição das oferendas consagradas na última Eucaristia. A oração de Santo Efrém Sírio é repetida várias vezes durante a celebração. No final de cada frase, a assembleia benze-se, ajoelha-se e inclina a cabeça até ao chão.
Esta noite, na paróquia da Igreja do Ícone da Mãe de Deus, alegria de todos os aflitos, foi a última reunião para os coordenadores das paróquias. Seis paróquias irão acolher os peregrinos. O que é mais tocante é a vontade deles de improvisar e acolher toda a gente. Todos os coordenadores são jovens, que ajudam com a bênção do padre. A sua confiança é muito emocionante. Para quase todas as paróquias, será a primeira vez que acolherão jovens vindos de outros países.
Sábado, 16 de Abril
Sábado de Lázaro. A ressurreição de Lázaro é o último e o maior dos sinais realizados por Jesus. Ela mostra-o como aquele que dá a vida e será isso que, paradoxalmente, há-de conduzi-lo à morte. Quer em termos históricos quer litúrgicos, este é um bom sinal para servir de prelúdio para a Semana Santa e para a Páscoa.
Hoje de manhã, a liturgia é na igreja da Assunção, mesmo ao pé da rua de Tver, no centro de Moscovo. Será aí que iremos acolher os peregrinos na quarta-feira. Há um verdadeiro sentido de festa, depois dos quarenta dias da Quaresma. O padre recorda que Cristo chama cada um de nós a sair do seu túmulo para nos conduzir, já hoje, a uma vida nova.
À tarde, é o encontro com os voluntários que irão ajudar na quarta-feira e durante toda a peregrinação. Há um mês tivemos um encontro com 70 jovens, onde foram confiadas algumas tarefas práticas. Desta vez, há mais coisas a fazer! Alguns irão acolher os peregrinos nos aeroportos e na estação de comboio, para os guiar até ao acolhimento central. Outros darão boleia entre o acolhimento e as paróquias. Há também a equipa do chá, as equipas que irão explicar o programa, dar os bilhetes dos transportes e distribuir os peregrinos pelas paróquias…
Ao darmos todas estas explicações a quem se vai ocupar do primeiro acolhimento, compreendemos até que ponto estes jovens russos esperaram a possibilidade de acolher nas suas paróquias jovens vindos de fora; estão tão contentes…
Domingo, 17 de Abril
Festa da Entrada do Senhor em Jerusalém — «Domingo de Ramos» no Ocidente, mas «Domingo do Salgueiro» na Rússia. A Primavera está a chegar e na rua e no exterior das igrejas há barraquinhas a oferecer ramos com amentos. No metro, vêem-se pessoas com estes ramos. É uma forma de religião popular que mostra que os gestos religiosos já não são estranhos, numa sociedade que ainda há poucos anos era ateia. Já ontem à noite, nas celebrações vespertinas, os padres benzeram os ramos e aspergiram a assembleia com água! Hoje, as cerimónias continuam e as igrejas estão cheias. Todos têm uma vela na mão.
Vamos a uma celebração na igreja paroquial de uma aldeia dos arredores de Moscovo, de onde partiram os primeiros grupos que vieram a Taizé no início dos anos 90. Rezámos no túmulo de um padre corajoso que desenvolveu esta paróquia durante os anos difíceis. O sol brilha.
Quarta-feira, 20 de Abril
É difícil descrever a beleza deste dia: um desses raros momentos em que chegou de repente aquilo por que tanta gente esperou a rezar durante tanto tempo. 240 peregrinos de 26 países são acolhidos em Moscovo por seis paróquias ortodoxas. Quem teria imaginado tal coisa há algumas décadas?
A Igreja da Dormição, ao lado da Praça Vermelha e entalada entre um MacDonalds e o Ministério do Interior, abriu as suas portas. A presença de ícones na igreja e as pessoas que entram para acender velas e rezar durante uns momentos criaram uma atmosfera única para acolher estes jovens que aqui chegam com o desejo de conhecer antes de mais a Igreja Ortodoxa Russa: sentimento imediato da paz do céu na terra, em contraste com a agitação desta cidade tão animada.
A paciência e a amabilidade dos nossos anfitriões russos iluminaram todo este dia. Nenhum peregrino pôde ser acolhido sem receber chá e comida. Os que chegaram no final foram acolhidos com a mesma alegria com que o tinham sido os primeiros a chegar. E os jovens das equipas de preparação nas paróquias pensaram mesmo em tudo. Um verdadeiro milagre! Há tantas coisas pelas quais podemos estar reconhecidos! Não há nada que falte. A peregrinação começou.
Quinta-feira, 21 de Abril
Que alegria estar entre as cerca de 300 pessoas que participam na liturgia de Quinta-feira Santa, às 7h30, na paróquia de S. Tatiana, a igreja anexa à Universidade de Estado de Moscovo, mesmo em frente do Kremlin!
A Olga escreve a propósito da celebração matinal de hoje:
«Quinta-feira é o dia da instituição da Ceia mística. De manhã, a liturgia de Quinta-feira Santa é celebrada em cada igreja. Neste dia, mesmo os que estão a trabalhar ou a estudar tentam tirar algum tempo, pelo menos durante estas horas da manhã, para participar nesta liturgia especial. Uma vez por ano, neste dia, canta-se a oração: «Quando os gloriosos discípulos…». Todos recebem a comunhão enquanto cantam «Na tua mística e santa Ceia, neste dia, ó Filho de Deus, permite que eu participe; em frente dos teus inimigos, não irei revelar o teu Mistério nem trair-te com um beijo como Judas, mas como o ladrão, peço-te: Lembra-te de mim, Senhor, quando chegares ao teu Reino». O dia é marcado pelo sinal desta participação única na última Ceia, na véspera dos sofrimentos de Nosso Senhor».
Depois da liturgia, era altura do encontro com os cerca de 20 peregrinos acolhidos pela paróquia. O padre recebeu-nos todos para o almoço. O acolhimento na Rússia, mesmo durante a Quaresma, começa antes de mais pela mesa! Ao dirigir-se aos peregrinos, o padre exprimiu a sua alegria pela presença deles e disponibilizou-se depois para responder a todas as suas perguntas.
À tarde, foram todos de metro para a igreja do Padre Vsevolod Chaplin, Presidente do Departamento do Patriarcado de Moscovo para as relações entre a Igreja e a sociedade. Começou por falar do imenso sofrimento dos cristãos da Rússia durante a época comunista. Depois, falou muito abertamente sobre os desafios que a Igreja enfrenta hoje. «Cada cristão deve ter a coragem de testemunhar a sua fé onde quer que se encontre. A igreja não é apenas para os ricos ou para os pobres; é para todos». Depois, disponibilizou-se para responder às perguntas de todos.
Ao falar com os peregrinos, constatamos que todos estão felizes. Receberam um excelente acolhimento nas famílias e paróquias. Apesar do cansaço da viagem e das duas horas de diferença horária, hoje só havia sorrisos. O coração russo é mesmo muito grande!
A Olga continua:
«Cai a noite e a cerimónia dos Doze Evangelhos começa. Todos estão de pé, com as velas acesas na mão. São lidas as doze passagens do Evangelho, desde Getsémani até ao túmulo selado. O sino repica no número de vezes correspondente ao passo da Paixão de Nosso Senhor que está a ser lido.
No passado, as pessoas tinham o costume de levar para casa, desde a igreja, uma vela acesa para iluminar a lamparina de um ícone. Hoje, esta tradição piedosa está ainda viva, apesar de se tornar mais difícil mantê-la quando se mora longe da igreja, devido aos transportes públicos. Os que levam para casa «a vela de Quinta-feira» fazem com ela o sinal da cruz à entrada da casa. O fumo da vela deixa então a imagem da cruz».
Depois da celebração, as pessoas andam nas ruas com as velas. Tudo parece tão normal, mesmo se outras pessoas fazem coisas completamente diferentes. Foi a primeira vez que senti a Ressurreição já durante a Semana santa. Não podíamos evitar. A igreja está a renascer, e as pessoas também.
Sexta-feira, 22 de Abril
Hoje, fomos a Boutovo, nos arredores a sul de Moscovo, numa das estações terminais do metro. Os peregrinos não parecem perdidos com os nomes das estações de metro em letras cirílicas. Estavam lá às 9h45 para apanhar o autocarro que nos levaria ao polígono, no campo de tiro, onde mais de vinte mil pessoas foram mortas, entre 1935 e 1937, durante o Grande Terror estalinista, como os Russos lhe chamam. Será que conseguimos perceber hoje o quanto os Russos sofreram durante o período soviético? Aqui, fomos confrontados com esta realidade.
Na igreja dos Novos Mártires, as pessoas da paróquia estavam à espera para nos levar ao sítio e nos explicar o que se tinha passado. Mais de mil padres e religiosos foram fuzilados ali. Os arquivos do NKVD revelam exactamente quem foi morto e quando. Há muitas valas comuns marcadas por túmulos. A igreja de madeira, construída em 1995, encontra-se literalmente em cima do sangue destes mártires. É o lugar certo para viver esta Sexta-feira Santa! Que desafio ao modo como vivemos hoje a nossa fé! Estas eram pessoas inocentes, que de modo nenhum mereciam ou procuravam o martírio.
Participámos nas Vésperas da Sexta-feira Santa, seguidas das Matinas do Sábado Santo. São celebrações muito bonitas, ricas em símbolos, tal como Olga escreveu:
«Chegámos a sexta-feira. Neste dia não há liturgia: o próprio Senhor está pregado na cruz.
O dia em que o Senhor morreu é o mais triste do ano. Podemos senti-lo na atmosfera e na natureza. Contudo, na profundidade da tristeza por Aquele que morreu está escondida a esperança da Ressurreição que há-de vir.
Neste dia, tem lugar a cerimónia da Apresentação do Santo Sudário. A imagem de Cristo no caixão é trazida para o meio da igreja. Depois, acontece a cerimónia do Enterro do Santo Sudário com a procissão dos crentes atrás do caixão, à volta de toda a igreja».
Ao saírem da igreja dos Novos Mártires em procissão, ao som do «Sviaty Bozhe, Sviaty Krepki, Sviaty Byesmyertnikh, nas Pomiluj!» (Deus santo, Deus forte, Deus eterno, tende piedade de nós!), todos os peregrinos puderam cantar também, uma vez que cantamos este cântico com frequência em Taizé. Que força! Diferentes tradições unidas pelo canto, caminhando atrás da mortalha de Cristo, Ele que se deu na cruz por cada um de nós. Aí reside o símbolo que nos abre um caminho. É como se, ao sairmos da obscuridade da igreja para entrarmos na luz da noite, já estivéssemos a entrar na luz da Ressurreição. Era o que sentíamos. Um tempo de bênção.