Irmão Alois, Porto, sábado 13 de Fevereiro 2010
Louvado seja Cristo por nos ter reunido a todos para celebrar as fontes da alegria. Vir de tantos países até esta bela cidade do Porto é já uma fonte de alegria. Tal como sucedeu há alguns anos durante o Encontro de Lisboa, os jovens de diversos países descobrem hoje a generosa hospitalidade das famílias portuguesas.
Agradecemos profundamente ao D. Manuel Clemente por nos ter convidado e por ter insistido para virmos ao Porto para um encontro de jovens. E agradecemos aos responsáveis de outras igrejas por terem acolhido esta iniciativa e por estarem connosco a viver este ecumenismo na oração.
Durante estes dias, gostava de retomar e aprofundar convosco uma reflexão iniciada no nosso Encontro Europeu em Poznan, na Polónia, há algumas semanas. À chegada, receberam a «Carta da China». Alguns já a tinham recebido em Poznan. Uma das interrogações que me guiou na redacção desta carta foi a seguinte: em todo o ser humano habita uma sede de vida em plenitude; como poderá a fé em Cristo responder a esta sede?
Em Novembro do ano passado fiz uma visita de três semanas aos cristãos da China, com dois dos meus irmãos, um chinês e outro coreano. O que me tocou naquele país foi ver que em muitos jovens está presente uma espera espiritual. Encontrei jovens que não eram crentes e que se voltam agora para a religião. E também uma sede de vida em plenitude.
Uma senhora de idade disse-nos: «Depois de tantos anos em que nenhuma expressão da fé era possível, actualmente há cada vez mais não-cristãos que vêm ver o que nós vivemos.»
Um jovem explicou-nos: «A alma chinesa sempre acreditou no céu, num além, não podemos desenraizá-la disso. Nestes últimos anos, a vida material melhorou, felizmente; contudo, ao mesmo tempo, muita gente sente um vazio espiritual e procura um sentido para a vida.»
Hoje mesmo, acabo de chegar das Filipinas e do Vietname. É ainda uma mesma procura interior, aquilo que descobri junto dos jovens destes dois países.
Todos sentimos que é necessário haver grandes mudanças no nosso mundo. As estruturas das nossas sociedades e os modelos de pensamento do passado mostram-se inadequadas e insuficientes para que as pessoas e os povos possam viver juntos em paz.
Mas descobrimos também que a mudança necessária, em especial uma refundação do sistema económico e financeiro mundial, não acontecerá sem uma mudança do coração humano. Como lançar as bases de um sistema mais justo enquanto alguns continuarem a querer acumular riquezas em detrimento dos outros?
Reunimo-nos aqui para que cada um de nós inicie ou aprofunde uma destas mudanças do coração.
O coração humano transborda de uma abundância de desejos e de aspirações: gostamos de muitas coisas, por vezes até de coisas contraditórias. Sim, é importante fazermos uma escolha dos nossos desejos. Nem todos são maus, mas também nem todos são bons. Trata-se de aprender a discernir pacientemente quais os que devemos seguir prioritariamente e quais os que devemos deixar de lado. Amanhã de manhã, nos pequenos grupos, vão reflectir sobre essa escolha que é importante fazer.
Em cada coração humano há a expectativa de ser amado e de amar. Mas, ao mesmo tempo, todos fazemos a experiência de que este desejo só raramente é satisfeito e nunca o é para sempre. Em vez de nos desanimar, isso pode permitir-nos descobrir e redescobrir uma comunhão pessoal com Deus. Portanto, alegremo-nos por esta sede que nos habita: não será uma marca gravada por Deus em nós para que possamos virar-nos para Ele?
Ainda que importante, o progresso económico não pode saciar a nossa sede mais profunda. Esta sede abre o nosso coração para que escutemos a voz do Espírito Santo que murmura noite e dia dentro de nós: «És amado para sempre e sem retorno; e mesmo as provações da tua vida, ainda que reais e às vezes muito duras, não podem apagar este amor.»
É este amor para sempre que é a água viva da qual Jesus fala à mulher Samaritana no Evangelho que lemos esta noite. Quem bebe desta água, quem acolhe este amor, não voltará a ter sede.
E eis que o nosso coração muda. E não somente o nosso coração, mas também o nosso olhar e o nosso comportamento. O nosso discernimento afina-se: sem sermos ingénuos tornamo-nos mais capazes de dialogar, de nos voltarmos para os outros, de fazermos da nossa vida uma peregrinação de confiança. E assim contribuiremos, como cristãos, para marcar o rosto do mundo que está a nascer.
Uma criança:
Todas as noites vamos dizer os nomes e rezar pelos povos que estão aqui representados. Saudamos esta noite os jovens vindos de Moçambique, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde, da Áustria, da Bélgica, da Alemanha, da Hungria, do Luxemburgo, da Suíça e da Holanda.
Aqui no Dragão-Caixa e também na igreja da Trindade, a oração vai agora continuar através do canto e da oração à volta da cruz. Cada um poderá pôr a sua testa sobre o ícone da cruz para confiar a Deus os seus próprios fardos e os dos outros.
Irmão Alois, Porto, domingo, 14 de Fevereiro de 2010
Ontem disse-vos: reunimo-nos aqui para que cada um de nós aprofunde uma mudança do coração.
Como é que tal mudança do coração se pode realizar? Não se trata em primeiro lugar de um acto voluntarioso. É quando nos voltamos para Deus que o nosso coração se altera. É Deus que o muda. Será que, todos os dias, poderíamos encontrar um pouco de tempo para nos voltarmos para Deus?
Na oração, Deus vem sempre ao nosso encontro. Ele conhece a nossa espera e a nossa sede. E a Bíblia ousa dizer que no próprio Deus há uma sede de estar em comunhão com o ser humano. Deus vem até nós através de Cristo. A Eucaristia é expressão mais clara que nos é dada. Através dela, recebemos a sua vida. A Eucaristia é um tal mistério que apenas a poderemos receber num espírito de infância e de adoração.
Maria será para sempre testemunha de que Deus vem a nós. É por isso que também podemos olhar para ela. Aqui em Portugal, a fé eucarística e a veneração de Maria permitiram a grandes multidões alimentar a sua confiança em Deus. Nesse aspecto, o povo português é próximo do povo polaco, na outra ponta da Europa, que nos recebeu há algumas semanas para o Encontro Europeu.
Pelo Espírito Santo, Deus habita nos nossos corações e é lá que nos fala, sugerindo-nos ideias, projectos e questões. Habitados por Ele, não podemos deixar de nos interrogar: O que poderá dar uma orientação à minha vida? Que objectivos vale a pena eleger?
Fazer a triagem dos nossos desejos, aceitar não fazer tudo e não ter tudo, abre-nos aos outros, protege-nos do isolamento e leva-nos a partilhar o que temos. Porque será que a riqueza material é frequentemente acompanhada de um fechar-se sobre si mesmo, com uma perda da verdadeira comunicação?
Apresenta-se então para muitos de nós este forte compromisso: escolher a simplicidade de vida.
Escolher a simplicidade abre o nosso coração à partilha e à solidariedade com os outros. Será esse o tema abordado amanhã de manhã nos pequenos grupos.
No Evangelho desta noite, Jesus convida-nos a amar os outros, tal como ele nos amou. Há muitas iniciativas de partilha e de compromisso humanitário que estão ao nosso alcance. Gostaria de dizer-vos que, nas Filipinas, onde tivemos há alguns dias um Encontro Asiático de Jovens, vi muitas pessoas pobres avançar neste caminho de partilha. Estas pessoas motivam-nos a continuar a fazê-lo.
Penso também nas religiosas que visitei na China. Foram viver para a região de Sichuan, onde houve os grandes tremores de terra em 2008. Foram em auxílio das populações em sofrimento. Contudo, não podem falar da sua fé. Podem ser apenas uma presença silenciosa, reflexo do Menino Jesus nascido silenciosamente em Belém.
Ouvindo estas religiosas, compreendemos melhor a via da partilha, da simplicidade e da solidariedade. Uma delas dizia-nos: «Após vários meses de trabalho com as pessoas, algumas de nós atravessam um período de dúvida. Porquê tanto sofrimento?» Outra dizia: «Perante a nossa impotência para ajudar as pessoas, sinto-me como Maria junto à Cruz.»
Outra ainda dizia: «Pediram-nos para não falarmos da fé. É duro mas compreendo agora ainda melhor a minha vocação. Estar próxima das pessoas já é viver o Evangelho. As pessoas depreendem que a nossa vida tem um sentido, mesmo se não o compreendem.»
Poderá o testemunho destas religiosas cristãs chinesas dar-nos esperança e coragem para escolhermos a simplicidade? Vivendo em simplicidade, compreendemos melhor como partilhar o que temos e dessa forma podemos participar, ainda que humildemente, a uma mudança do mundo.
Uma criança:
Saudamos esta noite os jovens vindos do Brasil, do Chile, da Irlanda, da Lituânia, da Noruega, da Polónia, da Rússia e do Reino Unido.
O Paulo lê uma passagem da carta do Richard (Haiti), que recebemos em Taizé no dia 21 de Janeiro:
«De noite: a vida ou a morte, não vejo a diferença.
Desde terça-feira, 12 de Janeiro, quando o país mergulhou numa profunda desordem, vi vários anos absorvidos por cinco segundos de tremor. A esperança desapareceu. Não há dinheiro, não há empregos, há milhares de sem-abrigo, não há água, não há comida, não há electricidade.
O Estado, que antes estava ausente, agora pode dizer-se que fugiu.
Mas Deus é grande e, uma vez que é amor, o seu plano de amor para nós já está estabelecido. Os cânticos de Taizé «Jésus le Christ» e «Fiez-vous en lui» dão-me uma força e uma confiança nunca imaginadas. Peço-vos que os cantem frequentemente nas orações em memória do Haiti.
Todas as noites há casos de roubos, de violações, ouvem-se tiros e por aí fora. E, pior do que isso, há quem faça circular rumores. Terça-feira, algumas horas depois do drama, um grupo de bandidos, com o objectivo de levar o que os sobreviventes ainda tinham, passou a correr, aos gritos, dizendo que as águas estavam a subir: “Tsunami.” Imaginem as pessoas, gravemente feridas, com ossos partidos, a tentar correr. Meus Deus!
Peçam a todos os povos do mundo, durante os encontros em Taizé, para rezar no dia 12 de cada mês, durante 12 meses, pelo povo haitiano. Não hesitem! É muito importante.»
A criança:
Aqui no Dragão-Caixa e também na igreja da Trindade, a oração vai agora continuar através do canto e da oração à volta da cruz. Cada um poderá pôr a sua testa sobre o ícone da cruz para confiar a Deus os seus próprios fardos e os dos outros.
Irmão Alois, Porto, segunda-feira, 15 de Fevereiro de 2010
O nosso reconhecimento é grande pelo acolhimento que recebemos. Gostaríamos de dizer obrigado do fundo do coração às famílias e a todos aqueles que abriram as suas portas com tanta generosidade. Obrigado aos senhores bispos, aos senhores padres e aos responsáveis das Igrejas que apoiaram a preparação. Obrigado às autoridades civis, às instituições locais e a todos os que deram a sua colaboração.
Se todas as noites vos falei da nossa viagem à China, foi porque compreendi como é extraordinário estar ligado aos cristãos deste país. A China foi um país fechado durante muito tempo. Hoje não podemos permanecer distantes; os cristãos deste país estão mais próximos de nós do que pensamos. Guardemo-los nas nossas orações.
Um dos testemunhos mais fortes foi-nos dado por um senhor de 80 anos. Esteve 27 anos num campo de trabalho, primeiro como prisioneiro e depois exilado muito longe de casa. Ele disse-nos: «Naquele período em que não havia nada de visível na Igreja, a Igreja invisível existia. O que me fez viver foi a palavra de Isaías onde Deus diz: ’Os meus caminhos não são os vossos caminhos’.»
E quando lhe perguntei como via o futuro, respondeu: «Não conheço o futuro, mas conheço Deus. Ele guiar-nos-á passo a passo.»
Tal como na China, uma nova sede de interioridade manifesta-se em muitos países do mundo, e uma atenção por algo mais além reaparece. É um sinal de esperança que nos leva a aprofundar a nossa própria confiança em Deus para podermos comunicá-la à nossa volta.
Jovens, chegou o tempo de tomarem consciência de que vos cabe a vós transmitir aos outros a confiança em Deus. Mesmo que apenas tenham compreendido um pouco do Evangelho, ponham-no em prática, falem dele aos vossos amigos que não conhecem a fé, acompanhem também algumas crianças no caminho da fé.
Conhecem todos jovens da vossa idade que, entrando na vida adulta, perdem a sua relação com a comunidade cristã, não necessariamente devido a uma decisão amadurecida, mas por causa de um simples encadeamento de circunstâncias. Será que são capazes de ir ter com eles e de procurar com eles como renovar uma ligação à fé?
Nos próximos anos, alguns dos que aqui estão irão adquirir muitos conhecimentos e competências no domínio dos vossos estudos ou do vosso trabalho. Tentem não deixar a vossa fé permanecer em expressões aprendidas durante a infância. Quando regressarem a casa, procurem modos de aprofundar continuamente a vossa compreensão do mistério da fé.
Aprofundar a confiança em Deus e transmiti-la à nossa volta, tornar-nos missionários do Evangelho na nossa vida quotidiana, tudo isso pede uma renovação constante da nossa coragem. Amanhã de manhã, nos pequenos grupos, procurareis juntos como fazê-lo.
A luz que as crianças acenderam e que nós transmitimos uns aos outros é um sinal da ressurreição. Lemos no Evangelho desta noite que, depois da ressurreição, Jesus diz aos seus discípulos «A Paz esteja convosco». E ele envia-os pelo mundo.
Esta chama de Paz e de amizade que acabámos de acender está aqui para iluminar todos os seres humanos. Por isso, não podemos aceitar que aumentem as desigualdades no mundo, que apenas alguns beneficiem da prosperidade económica, enquanto a grande maioria experiencia a pobreza. Queremos escolher a simplicidade de vida para promover a partilha, a solidariedade, a utilização responsável dos recursos do nosso planeta.
Sim, a luz de paz é para todos. E isso leva-nos a todos a continuar a «peregrinação de confiança através da terra», que vivemos estes dias aqui no Porto e que pode ser continuada na vida quotidiana.
Na fé, toda a nossa vida somos peregrinos. Pelo caminho, todos nós passamos e passaremos por provações. Às vezes, talvez possa parecer que nos submergem tanto que até uma consolação vinda dos nossos próximos nos toca dificilmente. O que podemos então fazer? Perante as provações pessoais e as que outros atravessam, a nossa resposta não será amar mais?
Um cântico poderia assim acompanhar-nos de regresso a casa e também ao longo do caminho da nossa vida: «A alma que anda no amor nem cansa nem se cansa.» Quando a alma está cheia de amor, quando vive para amar, a coragem renova-se, os que procuram Deus podem caminhar sem se cansarem.
Uma criança:
Saudamos esta noite os jovens vindos de Timor Leste, da Croácia, de França, de Itália, da Roménia, da Sérvia, da Eslovénia, de Espanha e das diferentes dioceses de Portugal, que estão aqui todas representadas.
Saudamos e agradecemos hoje a todas as comunidades e famílias que se disponibilizaram para nos acolher e aos jovens que prepararam este Encontro com tanta dedicação. A vossa hospitalidade é um sinal de Evangelho muito bonito!