Em Agosto de 2003, um grupo de 64 timorenses participou durante uma semana nos encontros internacionais de jovens em Taizé. Exceptuando a irmã e o padre que acompanhavam o grupo, estudam todos em Portugal e aproveitaram as férias de Verão para fazer esta peregrinação a Taizé. Tinham ouvido falar de Taizé através de um pequeno grupo de jovens seminaristas, que estão a estudar em Portugal, que tinham vindo a Taizé há um ano e que falaram muito sobre essa «experiência inesquecível». Durante a sua estada em Taizé, o grupo pôde animar um workshop com o tema: «A reconstrução de um país: desafios e esperanças um ano depois da independência de Timor Loro Sae». Com cantigas e danças tradicionais intercaladas com testemunhos, por vezes muito pessoais, este workshop, apresentado por um irmão indonésio e um português, foi traduzido numa dezena de línguas diferentes.
Depois de terem falado brevemente sobre a situação geográfica deste país de 800 mil habitantes, com 90 % de católicos, os jovens mencionaram os aspectos mais marcantes da história do seu povo, por vezes muito dolorosa. «A chegada dos Portugueses ao sudeste asiático, no princípio do século XVI, mudou para sempre o rumo da história do povo maubere. Os Portugueses depressa dividiram a ilha de Timor com os Holandeses, e a parte oriental foi uma colónia portuguesa durante quatro séculos e meio. Em 1975, depois da partida dos Portugueses, o exército indonésio invadiu o Território de Timor Leste e transformou-o na vigésima sétima província da Indonésia. Os 24 anos de ocupação indonésia foram marcados por uma opressão brutal, por grandes atrocidades e por graves violações dos direitos do homem. Em 1999, o povo pôde escolher através de um referendo entre a independência e a integração na Indonésia. Com quase 80 % de votos a favor da independência, o Território tornou-se na República Democrática de Timor Leste e foi o primeiro país a celebrar a sua independência no século XXI.»
Outro jovem timorense continuava depois: «Eu acredito que Timor Leste será um país desenvolvido. Este é um sonho dos Timorenses. Nós pudemos libertar a nossa terra, mas agora temos uma grande responsabilidade, pois devemos libertar também o povo da ignorância e da pobreza. O grupo que está aqui em Taizé sente-se responsável por este esforço de desenvolvimento para o nosso país. Para que o nosso sonho se concretize, precisamos de pessoas qualificadas nas diferentes áreas para podermos assim enfrentar o futuro. Os conhecimentos que temos são poucos. Viemos a Portugal para aprender, para depois podermos regressar a Timor Leste e ajudar o povo timorense a construir o seu futuro. Há muitas coisas que podemos fazer para contribuirmos para a reconstrução do nosso país. Uma das prioridades é a educação. Queremos que o povo seja instruído e que a educação seja acessível a todos. O sistema de saúde também é muito importante, pois é essencial para a qualidade de vida das populações. Mas há outras áreas importantes: a agricultura, a economia, as infra-estruturas, a justiça... Como o nosso povo não é muito numeroso, precisamos da ajuda de Portugal e também de outros países. A responsabilidade de reconstruir Timor Leste é nossa, mas contamos com a ajuda e o apoio dos outros.»
Um timorense um pouco menos jovem contava a sua experiência: «Perdi os meus pais quando tinha 10 anos, em 1975, quando o exército indonésio invadiu Timor Leste. Tive que me refugiar no mato e combater com uma arma na mão. Lembro-me que, quando tive que pegar numa arma, do fundo do meu coração rezei e pedi ajuda a Jesus. Quando fui para as montanhas, pensava que a ocupação indonésia não ia durar. Mas um ano depois compreendemos que rapidamente não haveria mudanças e que tínhamos que lutar de outra forma. Então disseram-me que aquele lugar não era para crianças e enviaram-me para a vila para estudar. Quando cheguei à vila não sabia para onde ir, pois os meus familiares eram todos perseguidos. Então dirigi-me à igreja e foi o padre que me acolheu. Comecei a trabalhar na horta, cultivando alguma coisa e ajudando outros cristãos, pois em tempo de guerra não há comida suficiente. Ia muitas vezes ao mato, para visitar os meus familiares. Durante esse tempo pude estudar e aprendi a língua indonésia. Aos 15 anos fui preso. A única acusação que tinham contra mim era o meu apelido. Fui torturado e decidiram fuzilar-me. Levaram-me para uma montanha para me matarem. Mas penso que Jesus não quis que eu morresse nesse momento: quando deram o tiro falharam e a bala não me atingiu! Nesse instante saltei para trás e caí pela montanha; comecei a correr e fugi para o mato.»
Um jovem, que estuda direito em Portugal, contava: «Depois dos trágicos acontecimentos que tiveram lugar em Timor Leste em 1999, surgiram muitas questões na sociedade. Uma delas diz respeito à necessidade de reconciliação entre os timorenses que apoiaram a independência e os que preferiam a anexação à Indonésia. Para que a reconciliação seja possível, precisamos também de justiça. Mas neste momento tudo o que diz respeito ao sistema jurídico é muito complexo em Timor Leste, pois temos falta de meios e de condições; há falta de juristas, de advogados, de procuradores, de juizes, de leis, de tribunais... Todos os timorenses qualificados nesta área fizeram os seus estudos na Indonésia e agora não estão actualizados, pois a Constituição mudou. O governo timorense está atento a estas questões jurídicas e fez acordos com países como Portugal, o Brasil e Singapura, no sentido de formar timorenses. Com a ajuda internacional, esperamos poder ultrapassar estas dificuldades e criar um bom sistema jurídico timorense. O povo timorense tem os seus valores e a sua fé cristã e nós acreditamos que estes valores e esta fé também nos vão ajudar a estabelecer a paz, a harmonia e a justiça, através da reconciliação. Sabemos que o caminho da reconciliação é o melhor caminho para construir um bom futuro para Timor Leste.»
Um padre timorenses, jovem, que está a estudar em Roma há dois anos, veio a Taizé com o grupo. No fim do workshop ele dizia: «Gostaria de dizer algumas palavras sobre a relação entre Timor Leste e a Indonésia. A imprensa mostrou ao mundo que Timor Leste e a Indonésia se combateram durante longos anos. Timor Leste não lutou contra os Indonésios, mas contra o regime indonésio. Os Timorenses podem viver em harmonia com os Indonésios. Durante 25 anos de conflito, o problema foi sempre com um ditador, o seu regime e o seu exército. Nós lutámos para defender a nossa identidade como nação, como povo e como cultura, pois durante o regime militar foi-nos tirada a nossa dignidade. Um dos momentos mais importantes para nós foi o dia em que o mundo reconheceu a independência da nossa nação, a 20 de Maio de 2002. A Presidente da Indonésia, filha do primeiro Presidente indonésio, veio celebrar connosco a independência de Timor Leste. Foi um sinal muito grande, que mostrou que os Timorenses não querem a guerra nem o ódio, mas querem a reconciliação. Com a independência, nós não queremos isolar-nos, mas sim viver no mundo em paz e harmonia, construindo com os outros um mundo melhor. O que podemos dizer é que, apesar de 25 anos de ocupação, de violência e de torturas, hoje, como país independente, o que nós queremos é a paz e a reconciliação. Isso é o mais importante!»
Durante um encontro com os portugueses presentes em Taizé, um dos jovens timorenses falou sobre a sua experiência recente em Portugal. Ele dizia que, apesar de todas as preocupações que tem relativamente ao seu país, não pôde fechar os olhos à pobreza que também encontrou em Portugal. Então, com um grupo de voluntários, todos os sábados de manhã ele faz a recolha de alimentos e vestuário nos estabelecimentos comerciais da cidade onde estuda. No fim da colecta confiam tudo a outro grupo da paróquia, que se encarrega da distribuição junto dos mais carenciados.
No final da sua estada em Taizé, os jovens timorenses não tinham suficientes palavras para descrever o que sentiam. «Foi a semana mais linda da minha vida», dizia um deles, «uma história que não terá fim», continuava outro. «Taizé é um sítio de paz e alegria. Quero agradecer a Deus pelo seu amor, que nos reuniu aqui para aprofundar a nossa fé.» «Foi como na montanha da Transfiguração. Agora devemos descer à cidade para viver o que experimentámos aqui: paz, unidade, esperança, alegria.»