TAIZÉ

Encontro Europeu 2022/23 em Rostock

Meditações das orações do meio dia

 
Nesta página serão publicadas as meditações dadas nas três orações do meio dia do Encontro de Rostock.


Quinta-feira, 29 de Dezembro de 2022

Pastora Anja Neu-Illg, Baptista (Mt 2,1-2.7-12)

Um caminho diferente

Queridos amigos na fé,

Estou tão feliz por nos terem vindo visitar aqui em Rostock—com os vossos dons. Através de vocês os nossos próprios tesouros tornam-se visíveis.

Aqui à frente podem ver duas imagens do Altar dos Três Reis de Rostock. É a obra medieval mais significativa desta nossa cidade que já tem 800 anos e mostra como era a cidade nessa altura.

Gostaria de olhar convosco para a história dos Reis Magos do Oriente através dos olhos deste artista desconhecido. Ele retratou Belém como se fosse a cidade de Rostock.

Primeiro, olhem para a imagem do lado direito:

Desse lado vemos o início da viagem de regresso dos Três Reis Magos, numa espécie de nau. Na Idade Média, o aparecimento de uma nau destas no horizonte significava habitualmente uma de duas coisas: comércio ou guerra. Mas esta nau vai numa rota diferente. Não está carregada nem com mercadoria nem com apetrechos de guerra. Deixa o porto seguro da cidade com as velas ao vento. O que transporta?

Pobres reis. Estes reis que regressam a casa vão agitados como a água no porto da cidade, que aqui parece ser já o mar. Tiveram um sonho: não voltem a passar pelo palácio de Herodes. Não podem confiar nele. Encontrem um caminho diferente. Os reis olham uns para os outros como que a perguntar-se: a aventura valeu a pena? Fizemos bem em oferecer todos aqueles tesouros àquele menino chamado Jesus?

Assim, os visitantes deixam a cidade, sem ouro, sem incenso, sem mirra—ofereceram tudo o que tinham. Se este é o início da viagem de volta a casa, então Belém é Rostock. E faz sentido que seja: uma nova estrela nasce e, por uma vez, a música não se ouve numa grande metrópole, mas numa província longe da história mundial, em Lüttenklein – uma palavra que significa “muito pequeno”.

O que levam os visitantes de Belém-Lüttenklein de volta para o seu país? Um experiência única, que aparece à esquerda da imagem: a adoração do menino e a apresentação das ofertas num só gesto. O evangelista Mateus também capta este gesto numa só frase: “... Prostrando-se, adoraram-no; e, abrindo os cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra...” (Mt 2, 11).

É o rei mais velho, provavelmente também o mais rico, que nos mostra como se oferece e se adora ao mesmo tempo. Ele pousou a sua coroa no chão. Ajoelhado, oferece um valiosíssimo tesouro em ouro. Os reis mais novos ainda estão de pé ao lado dele, um pouco indecisos. O que se está a passar? Deveremos fazer o mesmo?

O menino Jesus parece interessado no ouro. Mas se olharmos com mais atenção, a mão esquerda do menino Jesus parece querer brincar, enquanto que a mão direita está levantada para abençoar. O bebé—tal como todos os bebés, está excitado ao ver um rosto humano.

O olhar do rei mais velho e do menino encontram-se. Olham-se nos olhos. E nesse olhar, surge um tesouro. O tesouro não está na arca. É como se o menino estivesse a dizer “Tu próprio és o tesouro, meu amigo. Vai em paz.” E eles “…regressaram ao seu país por outro caminho.” (Mt 2, 12). Eles não se limitaram a partir para outro lugar. Eles tomaram um caminho diferente.

No fundo da imagem está José. Quase invisível. Um homem extraordinário com uma pá de estrume na mão. (Na reconstrução aparece com um cajado de pastor, por vezes é difícil distingui-los). Está a trabalhar. Não é um rei, não é um mago, não é um observador de estrelas, não é de um país distante. É daqui—não tem um nome imponente—e observa calmamente o que se está a passar. Mais uma vez acolhe pessoas que lhe são estranhas e cuja língua ele não sabe falar. Também mostra os seus próprios tesouros. Tudo o que ele tem: a sua família, a sua casa e o seu coração. Ele não precisa de uma coroa, de uma nau, de camelos ou de uma arca cheia de ouro. Ele próprio também é o tesouro.

Um outro caminho é possível—mesmo apenas num momento.
Ofereçam ao outro um olhar em que reconheçam secretamente o tesouro que se encontra nele.


Sexta-feira, 30 de Dezembro de 2022

Joachim Gauck, ex-presidente da República Federal da Alemanha (2 P 1,16-19)

Eu venho de longe.

Não me refiro à distância entre Berlim e Rostock – não ficam assim tão longe. No entanto, eu venho de outro tempo e para vocês, jovens, o período que me influenciou e me moldou fica no passado distante, numa era remota.

A cidade em que se reunem é a minha cidade natal. Eu nasci aqui, em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1945, muitas zonas da cidade estavam em ruínas e as pessoas andavam desorientadas. Não eram só os edifícios que estavam destruídos. Inúmeras pessoas estavam física e emocionalmente esgotadas. Esta parte da Alemanha recuperou lentamente. Às trevas do período nazi seguiu-se uma nova escuridão: em vez da liberdade, as pessoas daqui foram sobrecarregadas com uma nova ditadura. Na minha família vivemos também o que foi a experiência de muitas outras pessoas neste país: pessoas inocentes eram tratadas como se fossem culpadas de um crime. Eram perseguidas, presas, deportadas. A lei era controlada pelo regime e os direitos civis eram mais ou menos inexistentes. Apesar disso, eu fiquei aqui e havia um motivo para isso.

A mensagem cristã tinha-se tornado importante para mim enquanto eu estava na escola e procurava alternativas intelectuais para o comunismo repressivo. Em adulto, tornei-me Pastor nesta cidade. Durante algum tempo, fui Pastor da juventude aqui em Rostock, sempre sob a vigilância de membros maliciosos da nossa polícia secreta, a Stasi.

Durante esse período, tive o meu primeiro contacto com jovens que se tinham reunido com irmãos de Taizé. Entre os grupos de jovens da igreja nos anos 80, havia um desejo crescente de encontrar uma qualquer forma de fazer oposição à ditadura. Os direitos humanos e a paz desempenharam um papel importante, tal como as questões ambientais. Descobri um anseio espiritual em alguns desses jovens.

Sem o meu envolvimento, os cânticos, meditações e orações de Taizé apareceram subitamente. Mas não se tratava apenas dos problemas. Na verdade, estes jovens procuravam uma sensação mais profunda de PROXIMIDADE espiritual. Durante a ditadura, muitas pessoas precisavam efectivamente de uma força interior para se atreverem a embarcar na sua própria jornada, incluindo na sua jornada de fé.

Em 1989, os nossos grupos de igreja constituiam o núcleo de um cenário de protesto na maioria dos locais. Isto transformou-se posteriormente num amplo movimento democrático durante o outono. Por fim, acabou por se tornar uma revolução pacífica; o país transformou-se numa democracia. Cedo se seguiu a reunificação da Alemanha e, misteriosamente, o homem que aqui está hoje diante de vós, tornou-se presidente federal.

O texto bíblico que estamos a ler contém a palavra “luz”. Há um motivo pelo qual comecei por vos falar de mim: Eu sou um daqueles que escaparam às trevas. É por isso que me parece que a "luz" é a mensagem essencial neste texto.

O autor da carta refere-se a uma revelação sagrada que descreve Jesus como o filho de Deus. Acabámos de celebrar o Natal, a festividade em que os cristãos de todo o mundo assinalam o nascimento do filho de Deus em Belém. O autor quer que o seu público compreenda que a encarnação de Deus deve ter um impacto nas suas próprias vidas: as suas vidas têm que mudar, para melhor. As suas vidas terão que ser diferentes das daqueles que acreditam que é normal passá-las em injustiça e pecado. Quando alguém começa realmente a seguir Jesus, isso tem como resultado “uma lâmpada que brilha num lugar escuro” (versículo 19 do nosso texto).

Quando eu disse no início que tinha vindo de longe, estava a pensar na dimensão do tempo. Estava a olhar para lá trás, para a minha infância. No inverno de 1946/47, estava frio e escuro devido aos contínuos cortes de energia. Em criança, eu tinha medo do escuro. Mas quando se acendia uma vela a luz era fraca mas tinha um efeito forte! Porque a sala era transformada e uma só vela tinha erradicado todo o medo.

A “luz” do nosso texto lembra-me uma outra passagem do Novo Testamento em que é dito aos fiéis que são “filhos da luz”. Uma vez mais olho para a minha própria vida: Lembro-me de todo o tipo de preocupações no passado, incluindo medos e incertezas – e tantas perguntas!

Quão facilmente tudo isso me poderia ter levado para um labirinto ou transformado a minha vida numa existência acorrentada. Mas isso não aconteceu. Não porque eu tenha uma personalidade assim tão forte, mas porque encontrei “filhos da luz” em cada fase da minha vida em que não sabia o que fazer. Foram homens e mulheres adultos e, num ou dois casos, jovens - tenho a certeza de que nenhum deles se via como uma luz na escuridão. Contudo, a existência destes indivíduos num momento em que me senti especialmente sob pressão permitiu-me encontrar uma força renovada, ultrapassar um medo, abraçar um novo caminho. Não temos ideia do que podemos significar para os outros!

Vocês não têm ideia do que irão significar para os outros!

Consigo imaginar que o vosso encontro, a vossa proximidade espiritual e intelectual, pode transformar-vos em indivíduos que seguem uma luz em tempos de escuridão e que podem ser luz para outros.

Quando falei da minha memória de infância de uma vela na sala, provavelmente muitos de vós se lembraram de imagens da Ucrânia. Ali, as pessoas têm que enfrentar a escuridão e o frio porque um agressor mal-intencionado está a bombardear o seu país.

Onde estariam as vítimas da guerra sem o apoio daqueles que estão a seu lado?

Olhemos para os problemas que actualmente são o foco da atenção dos políticos e da sociedade civil: será a comunidade internacional capaz de tomar as decisões necessárias relativamente à crise climática?

Haverá uma ordem mundial mais equitativa? Irão a opressão e a tirania destruir mais sociedades?

Nos nossos países, como protegemos a democracia dos seus inimigos?

Na Europa, como tratamos as pessoas que procuraram refúgio nos nossos países?
Até mesmo estas poucas perguntas mostram que o nosso mundo pode não ter futuro sem pessoas preparadas para usar as suas capacidades e pontos fortes para enfrentar os desafios com que nos deparamos - quer no mundo, quer mesmo às suas portas.

E posso imaginar como uma vida assim, que tem os outros em consideração, não só desenvolve luz e inspira outras pessoas mas também torna as nossa próprias vidas extremamente valiosas e belas.

Senhoras e Senhores,

Tenho estado a analisar à minha maneira o termo “luz” da nossa passagem bíblica. Mas penso que é claro porque o fiz. Contudo, gostaria de concluir salientando que a palavra “luz” no nosso texto pretende ser uma palavra profética que garante aos fiéis que o próprio Deus quer estar entre nós através do Jesus terreno.

Não quero fazer nenhum comentário teológico sobre isto. Em vez disso, quero apontar algo que não só eu mas inúmeras outras pessoas viveram:

Há palavras que não podemos dizer a nós próprios. Estas palavras têm uma característica própria: elas mudam vidas. As pessoas que viveram o extraordinário impacto dessas palavras falam, na Bíblia, da palavra de Deus. E o autor desta carta lembra-nos que somos nós quem precisa dessa palavra que não conseguimos dar a nós próprios.

Este aviso também é útil mesmo para pessoas com muita experiência de vida, por isso quero mais uma vez levá-lo a sério: Eu não consigo abençoar-me a mim próprio. Peço ao meu próximo, peço a Deus, essa bênção e a Sua promessa é que eu próprio posso ser uma bênção.

E quando agora olho para o vosso encontro de Taizé, imagino que vocês não cantam, rezam e debatem para fugir deste mundo, mas para que a vossa busca por aquilo que o mundo não vos consegue dar fortaleça a vossa fé; uma fé que não despreza este mundo mas que o quer tornar melhor.


Sábado, 31 de Dezembro de 2022

Meditação do irmão Simon (Neemias 5, 6b–8b.10–12)

No início da oração ouvimos uma leitura do livro bíblico de Neemias. A história passa-se durante um tempo de reunificação. Há gerações atrás, alguns dos povos da Judeia tinham sido forçados a emigrar e agora era possível regressar.

É uma época marcada por alguma desorganização, porque os povos e os tempos entretanto mudaram, mas também marcada pela esperança. A liberdade torna possível recuperar laços antigos e criar novos laços. É um recomeço algo confuso mas alegre.

Infelizmente, como acontece algumas vezes em épocas de transição, não é a solidariedade que prevalece nesses novos espaços mas uma lógica oportunista e relações de domínio sobre o outro. Neemias está indignado com isso e decide agir.

Ao mesmo tempo, há um assunto ainda mais urgente para resolver: a reparação das muralhas defensivas da cidade. A segurança que faltava no passado está de novo ameaçada. Quanto mais as obras avançam, mais as potências vizinhas parecem estar prontas a atacar. O risco de uma nova deportação está de volta, mesmo antes de o povo ter conseguido apreciar a liberdade.

A tensão atinge um tal ponto que Neemias tem de entregar armas aos trabalhadores e trazer as pessoas dos campos para dentro da cidade todas as noites. No entanto, é também nesta altura que ele decide juntar as pessoas mais influentes da sociedade para lhes falar acerca de justiça social. Será que perdeu a noção das prioridades, ou será que decide fazer isto para exprimir o quão importante a justiça social é, como se ela estivesse também a afectar a sobrevivência do povo?

Neemias antecipa, quer preparar o futuro, mesmo num momento em que a situação é tão difícil que seria normalíssimo que ele tivesse forças apenas para lidar com o presente. O seu exemplo inspira-nos, mas podemos também perguntar se é realista. Onde é que vamos buscar a energia de que precisamos para lidar com questões essenciais, quando precisamos de lidar com as urgências de cada momento?

Neemias consegue, com as suas palavras e o seu exemplo, implementar uma atitude solidária que consiste na absorção das dívidas dos pobres através da riqueza dos ricos. Ele alcança, num curtíssimo espaço de tempo, uma reforma que muitos líderes não conseguem alcançar durante uma vida inteira.

E no entanto, o argumento que Neemias usa é muito simples. Um argumento que qualquer pessoa que tivesse sido educada da mesma forma que ele poderia usar: se um ser humano é chamado à liberdade, ninguém tem o direito de abusar da sua força. Esta ideia baseia-se na mensagem central dos primeiros livros da Bíblia.

O exemplo de Neemias sugere que o que é essencial é que encontremos uma realidade que possamos partilhar de forma alargada e que, na procura dessa realidade, encontremos também a força de que precisamos para a viver, tanto para nós como com os outros. Por isso podemos perguntar-nos: o que me permite procurar esta realidade essencial? E com quem a partilho?

Última actualização: 29 de Dezembro de 2022