O Ahmed, um jovem sudanês de 23 anos, e o Nemat, um afegão de 25 anos, preparam textos para partilhar as suas experiências:
Chamo-me Ahmed e nasci numa pequena aldeia do Darfur, no Sudão. Quando tinha 11 anos, as milícias destruíram a minha aldeia. Durante o ataque pude fugir, mas minha família foi dispersa e eu fiquei sozinho. Alguém me levou para um campo de refugiados e encontrei lá um tio que, depois, me levou para perto de Cartum. Mais tarde, soube que o meu pai tinha sido morto no ataque e que a minha mãe, a minha irmã e os meus irmãos estavam num campo de refugiados no Darfur. Eu fiquei com meu tio e em 2013 entrei na Universidade para estudar Direito.
Em Cartum há um enorme racismo contra as pessoas do Darfur e tive muitos problemas na Universidade. Fui perseguido, preso, torturado... foi tão difícil que acabei por fugir para a Líbia, onde trabalhei durante quatro meses. Mas as pessoas não me pagavam, havia muita violência e, quando me disseram que na Europa encontraria paz, igualdade, segurança e justiça, decidi apanhar um barco para atravessar o Mediterrâneo.
Agradeço aos serviços de resgate da Cruz Vermelha, que nos ajudaram a chegar a Itália! No entanto, neste país fui maltratado e não encontrei o que eu esperava; nos campos de refugiados fui aconselhado a continuar o caminho para França. Quando cheguei a Nice, como estava muito frio na rua, fui ao posto da polícia. Deixaram-me dormir numa cela da prisão, mas depois disseram-me que aquele lugar não era um hotel e puseram-me na rua. Consegui chegar a Paris e passei lá três dias, dormindo debaixo duma ponte perto da estação de comboios. Como fiquei doente, uns africanos aconselharam-me a ir a Calais, onde encontraria associações que me poderiam ajudar. Em Calais foi-me dito que poderia ser alojado numa casa se aceitasse apanhar um autocarro para ir para outra região da França.
Aceitei e apanhei o autocarro, onde encontrei outros sudaneses que não conhecia. Depois de 11 horas de viagem, chegámos a uma pequena aldeia numa noite com um nevoeiro muito espesso. Era Taizé. Tínhamos medo e não queríamos descer do autocarro. Acabei por descer para ir à casa de banho e quando saí da casa de banho o autocarro tinha-se ido embora. Fomos recebidos pelo presidente da Câmara e por várias pessoas da aldeia, pelos irmãos da Comunidade e por representantes duma associação. E, depois, nesta aldeia começou uma nova história na minha vida.
Dia após dia, descobrimos a aldeia e os seus habitantes. As pessoas vinham visitar-nos, mas não as compreendíamos porque não falávamos francês! Agradeço imenso aos voluntários que vieram ensinar-nos francês.
No grupo que chegou de Calais, somos todos muçulmanos. Não tivemos problema nenhum em ser acolhidos por uma comunidade cristã. Deram-nos uma sala para a nossa oração e somos respeitados. Às vezes vamos à igreja para ver como eles rezam, às vezes os irmãos acompanham-nos à mesquita. Vivemos juntos em paz.
Encontrámos uma grande família. Um dos irmãos da Comunidade é para nós como o nosso irmão mais velho, temos uma mãe e um tio numa família da aldeia. E cada um de nós é acompanhada por uma família da região. Eu vou a Cluny uma vez por semana partilhar uma refeição com a minha família adoptiva, e agradeço-lhes muito por me ajudarem tanto.
Já recebemos quase todos uma resposta positiva ao nosso pedido de asilo. Eu recebi o estatuto de refugiado antes do Verão e pude assim trabalhar os três meses do Verão numa cooperativa agrícola. Isso permitiu-me juntar algum dinheiro para poder agora a estudar.
Vivo em Taizé há quase um ano e fiz amigos do mundo inteiro. Gostaria de dizer-vos para não terem medo de ir ao encontro daqueles que são diferentes de vocês.
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Chamo-me Nemat e venho do Afeganistão. Vivi quase um ano na Comunidade de Taizé e mudei-me recentemente para a aldeia do lado, Ameugny, para um pequeno estúdio que aluguei. Trabalho numa empresa de construção.
Venho duma aldeia no norte do Afeganistão. Vivi lá com os meus pais e os meus irmãos e trabalhei na loja do meu pai. Mas, por causa da insegurança e medo de grupos terroristas, fui trabalhar na polícia para outra região do país.
Um dia, ia de carro com outros polícias quando uma bomba explodiu na estrada; três dos meus colegas morreram, eu e outro ficámos gravemente feridos. Estive muito tempo em coma e fiquei três meses no hospital. Mais tarde, os taliban atacaram a minha aldeia e destruíram a casa da minha família; dois dos meus irmãos e um primo estavam dentro de casa e morreram. O resto da família conseguiu fugir e foi para as montanhas.
Nesse momento tive tanto medo que decidi partir para a Europa. Atravessei o Afeganistão a pé, andando à noite e dormindo durante o dia nas florestas. Depois viajei em carrinhas abarrotadas com dezenas de pessoas; cheguei à Grécia após 8 horas num pequeno barco de plástico que transportava mais de 50 pessoas. Na Europa, viajei de autocarro, de comboio, a pé. Ao todo, atravessei onze países até chegar a França, no dia 25 de Novembro de 2015. A viagem demorou três meses.
Estive em Paris e, depois, uma semana em Calais. Cheguei a Taizé dia 4 de Dezembro, com dois afegãos e três sudaneses. Encontrámos cá mais sete sudaneses. Os outros dois afegãos quiseram ir embora passados dois dias e eu fiquei sozinho com dez sudaneses. Não falava inglês nem francês, era muito difícil comunicar com os outros. Mas eles acolheram-me tão bem, juntamente com os irmãos e os habitantes da aldeia, que se tornaram a minha família.
Sou muçulmano e sinto-me muito bem aqui, entre cristãos. Todos rezamos a Deus. Em Taizé, sinto-me como se estivesse em minha casa! Mas, se um dia a paz e a segurança voltarem ao meu país, é claro que gostaria muito de poder regressar.
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A Eman, uma mãe de família iraquiana, também encontrou os jovens. Ela escreve:
Chamo-me Eman AL CHOCHONA. Vivo em Ameugny com o meu marido, o Mithaq, e os nossos dois filhos, o Manuel, quem tem 7 anos, e o Noor, que tem 4. Somos cristãos iraquianos, da Igreja Ortodoxa Síria. Vivíamos em Bartella, uma pequena cidade com a maioria da população cristã, situada na planície de Nínive, perto de Mossul.
Em 2014, o Estado Islâmico ocupou Mossul em Junho. Em seguida, no início de Agosto, o Estado Islâmico atacou os peshmerga curdos que ainda defendiam Bartella. Dia 5 de Agosto, à noite, tivemos de deixar a nossa casa e todos os nossos bens. Fugimos com todos os habitantes de Bartella para Erbil, no Curdistão iraquiano. Primeiro dormíamos ao relento, depois deram-nos uma tenda e, mais tarde, uma caravana que partilhávamos com outra família. Depois, em Novembro, pudemos mudar para um apartamento com três quartos, que partilhávamos com duas outras famílias. Dependíamos em tudo da ajuda de ONGs e das Igrejas. Não conseguimos encontrar emprego. A vida era muito difícil, não havia escola para as crianças nem perspectivas para o futuro. Estávamos sempre com medo de sermos forçados a fugir para mais longe.
Foi por isso que surgiu a ideia de deixarmos o Iraque. Em Janeiro de 2015 entrámos em contato com uma amiga refugiada em França. Foi ela que enviou o nosso dossier à Comunidade de Taizé, através de uma associação em Paris. Os irmãos trataram então dos papéis para obtermos a autorização de vir para França e, em Junho de 2015, recebemos um visto para a França e passagens aéreas. Chegámos a França dia 12 de Junho de 2015. Os irmãos ajudaram-nos a obter o estatuto de refugiado e todos os procedimentos administrativos. Agora vivemos em paz em Ameugny, o meu marido trabalha e as crianças vão à escola. Aprendemos francês com os vizinhos, que nos ajudam muito. Estamos muito gratos aos irmãos e aos habitantes que nos acolheram e nos ajudam.
Nestes dias, acompanhamos com grande atenção os acontecimentos em Mossul. Estamos muito contentes com a libertação de Bartella, conseguida pelo exército iraquiano na semana passada, apesar de vermos que as igrejas e muitas casas foram destruídas. Mas a nossa vida agora é em França.
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Durante o Verão, o Ibrahim, um sudanês de 29 anos, deu o seu testemunho durante um encontro com o irmão Alois:
A fraternidade começa pela escuta do outro
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O Hassan, 26 anos, também falou na Igreja da Reconciliação durante a semana especial para jovens dos 18 aos 35 anos:
«Ousar dar um passo em direcção aos outros»